Ilha submersa rica em terras raras coloca Brasil na rota da alta tecnologia
Um vasto depósito de terras raras identificado na Elevação do Rio Grande, formação rochosa submersa a cerca de 1 200 km da costa brasileira, reacendeu o debate sobre o papel do Brasil na cadeia global de componentes electrónicos. Investigadores defendem que a exploração da área, de dimensões próximas às da Espanha, pode transformar o país num fornecedor relevante de matérias-primas críticas, embora persistam desafios técnicos, ambientais e jurídicos.
Porquê as terras raras são estratégicas
As terras raras englobam 17 elementos químicos essenciais na produção de ímanes, turbinas eólicas, baterias, lasers e semicondutores. Apesar de relativamente abundantes na crosta terrestre, a sua extração e refinação exigem processos dispendiosos e poluentes, razão pela qual poucos países controlam toda a cadeia de valor.
Segundo o United States Geological Survey, a China detém cerca de 44 milhões de toneladas em reservas e é responsável por 60 % da produção mineira mundial, além de 90 % do fabrico de ímanes. O Brasil surge em segundo lugar no volume conhecido de reservas, com 21 milhões de toneladas, mas tem produção limitada. Atualmente, a mina da empresa Serra Verde, em Goiás, é a principal operação, com capital maioritariamente norte-americano e destino de exportação quase exclusivo para a China.
A aposta brasileira na Elevação do Rio Grande
A Elevação do Rio Grande é reivindicada pelo Brasil desde 2018 perante a Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU. A área, hoje submersa, apresenta vales, platôs e fissuras que, de acordo com amostras recolhidas por equipas da Universidade de São Paulo, contêm não só terras raras como também cobalto, níquel, titânio, telúrio, molibdénio e lítio.
Para Luigi Jovane, professor do Instituto Oceanográfico da USP, o local pode reduzir a dependência externa de minérios estratégicos e impulsionar a indústria nacional. Muhammad Bin Hassan, geólogo colaborador da mesma universidade, acrescenta que a descoberta “poderá posicionar o Brasil como fornecedor global de minerais críticos, gerando emprego qualificado e inovação”.
Desafios técnicos e ambientais
O refino das terras raras envolve solventes potentes e gera resíduos tóxicos, criando riscos de contaminação de água e solo. A professora Carina Ulsen, da Escola Politécnica da USP, afirma que “os impactos são inevitáveis e precisam de ser rigorosamente avaliados”, realçando a necessidade de soluções para mitigar danos ambientais.
Além da sustentabilidade, o país não domina, em larga escala, as etapas de separação e processamento com pureza adequada. Investimentos elevados em tecnologia, infraestruturas portuárias e formação de mão-de-obra seriam indispensáveis antes de qualquer produção comercial.
Implicações geopolíticas e industriais
A disputa pelo controlo da Elevação ocorre num contexto de tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Analistas apontam que as negociações sobre tarifas agrícolas e metalúrgicas incluem, nos bastidores, o acesso a terras raras. Washington já demonstrou interesse noutras reservas, como as da Ucrânia, para reduzir a dependência de Pequim.
Dentro do país, o governo brasileiro defende a soberania sobre os recursos. O presidente Lula da Silva declarou recentemente que não permitirá que “se repita o histórico de exploração de minérios sem retorno para a população”. Está em curso a criação de uma comissão federal para aprofundar estudos geológicos, estabelecer normas ambientais e atrair parcerias com empresas dispostas a instalar unidades de processamento no território nacional.
Se a ONU reconhecer a reivindicação e o Brasil conseguir superar os obstáculos tecnológicos, o país poderá reforçar a transição energética global, fornecendo materiais essenciais para baterias, painéis solares e veículos elétricos. Caso contrário, continuará a exportar minérios brutos, dependendo de cadeias de valor externas para produtos de maior valor acrescentado.
A decisão sobre a posse da Elevação do Rio Grande não tem, ainda, calendário definido. Até lá, o Brasil equilibra-se entre a promessa de se tornar potência em minerais estratégicos e a necessidade de construir capacidade industrial para transformar reservas em oportunidade económica real.

Imagem: tecmundo.com.br