Governo elabora Cide para tributar big techs em resposta às tarifas dos EUA

O governo brasileiro definiu um plano para tributar as grandes empresas de tecnologia que oferecem serviços digitais no país, iniciativa acelerada pela elevação de tarifas dos Estados Unidos sobre produtos nacionais e pela investigação comercial aberta em Washington.

A equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva concluiu a minuta de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) voltada às plataformas estrangeiras, majoritariamente norte-americanas. O texto aguarda aval político para ser enviado ao Congresso ou implantado por medida provisória em caráter de urgência.

Segundo técnicos envolvidos, a Cide foi escolhida por exigir rito legislativo simples, possuir natureza regulatória e dispensar a partilha da arrecadação com estados. Antes de entrar em vigor, o projeto ainda deverá definir a base de cálculo, o segmento econômico alcançado e os serviços efetivamente sujeitos à cobrança.

A proposta segue modelos adotados em França, Itália, Espanha e Áustria, onde a alíquota de referência é de 3% sobre a receita gerada por atividades digitais como vendas on-line, publicidade direcionada ou licenciamento de dados de usuários. Autoridades canadenses chegaram a adotar mecanismo semelhante, mas recuaram durante negociações recentes com Washington.

Embora a criação do tributo seja considerada o caminho principal, a área econômica preparou alternativas. Entre elas estão o aumento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica ou o reforço da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido para companhias estrangeiras de serviços digitais, opções vistas como tecnicamente mais complexas e menos ágeis.

O debate sobre a tributação das big techs esteve parado nos primeiros meses de governo, mas ganhou urgência após a Casa Branca anunciar, em 9 de julho, tarifa adicional de 50% sobre determinados bens brasileiros, com vigência a partir de 1º de agosto. Na ocasião, o presidente norte-americano Donald Trump citou divergências políticas internas do Brasil e criticou decisões judiciais que restringiram conteúdos em plataformas sociais.

Uma semana depois, o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) abriu investigação alegando práticas brasileiras que prejudicariam empresas e trabalhadores norte-americanos. O relatório preliminar menciona barreiras à transferência internacional de dados pessoais, o combate a falsificações em centros populares de compra e até questionamentos ao sistema de pagamentos Pix.

Aliados de Lula avaliam que a pressão de empresas de tecnologia influenciou a escalada tarifária, ocorrida pouco depois de o Supremo Tribunal Federal responsabilizar redes sociais por publicações de usuários. A percepção reforçou a ideia de usar a taxação digital como instrumento de resposta diplomática e econômica.

Durante congresso da União Nacional dos Estudantes, realizado há poucos dias em Goiânia, Lula afirmou que o Brasil “vai julgar e cobrar imposto das empresas americanas digitais”. A declaração, embora sem detalhar prazos, confirmou a disposição do Planalto de agir no curto prazo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, revelou que, até o momento, Washington não respondeu a pedidos de diálogo sobre o tarifaço. Paralelamente, o governo estuda redirecionar exportações a outros mercados enquanto define a estratégia tributária interna.

Se avançar, a Cide deverá listar critérios claros para evitar sobreposição com tributos existentes e garantir segurança jurídica. Entre os pontos em discussão estão o faturamento mínimo para enquadramento, mecanismos de recolhimento automático e a destinação dos recursos a um fundo de desenvolvimento digital.

Parlamentares da base já foram informados sobre a iniciativa e avaliam que o texto pode tramitar rapidamente, caso o Planalto opte por projeto de lei com urgência constitucional. Há também a hipótese de medida provisória, que produziria efeitos imediatos mas exigiria aprovação em até 120 dias.

Representantes do setor de tecnologia observam o movimento com cautela. Nos países europeus que adotaram contribuições semelhantes, grandes grupos optaram por repassar parte do custo aos anunciantes ou adequar estruturas contábeis para reduzir a exposição fiscal.

Especialistas lembram que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico discute há anos um acordo global sobre tributação digital, ainda sem consenso. Enquanto o pacto multilateral não avança, iniciativas isoladas como a brasileira tendem a se multiplicar em meio a disputas comerciais.

A decisão final sobre o formato e o momento de cobrança, porém, depende do desfecho das negociações com os Estados Unidos e da evolução do quadro político interno. No Planalto, a orientação é manter todos os cenários preparados para reação rápida, caso conversas diplomáticas não prosperem.

Fonte: O Globo

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