Fragmentação da internet no Brasil ganha força com a combinação de leis recentes e mecanismos técnicos que ampliam a capacidade do governo de restringir serviços online, cenário semelhante ao que levou o Nepal a bloquear 26 plataformas, entre elas o WhatsApp.
O gatilho da comparação é a Lei Felca, sancionada em 2024, que estabelece prazo de um ano para que redes sociais e aplicativos mantenham representante legal no país, sob pena de suspensão. O dispositivo ecoa a medida aprovada no Nepal na última semana, responsável por uma onda de bloqueios que provocou protestos nas ruas de Katmandu.
Fragmentação da internet no Brasil se aproxima do modelo do Nepal
Especialistas alertam que o Brasil já possui infraestrutura para cortes em massa. Desde 2023, o sistema Lacre Virtual, operado pela Anatel, permite bloquear remotamente endereços IP e domínios sem ordem judicial. Atualmente, mais de 30 mil endereços estão retidos sob sigilo, segundo dados da própria agência.
O quadro pode se agravar caso o Projeto de Lei 4.557/2024 seja aprovado. O texto subordina o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) à Anatel, transferindo ao Executivo o controle dos domínios “.br”, dos números IP e dos principais Pontos de Troca de Tráfego. Para analistas, a mudança criaria as condições administrativas que faltam para desligamentos nacionais semelhantes aos já verificados na Turquia e no Iraque.
Mundo afora, o fenômeno não é isolado. Paquistão, Uganda, Sudão do Sul e Turquia realizaram bloqueios nacionais em 2025. Relatório da Freedom House mostra queda contínua no nível de liberdade digital global, com governos justificando restrições em nome de segurança e soberania.
No Brasil, o Judiciário também mira ferramentas de anonimato. Decisões de 2022 e 2023 fixaram multa diária de até R$ 100 mil a usuários que utilizassem VPN para acessar plataformas suspensas, e chegaram a determinar a retirada desses aplicativos das lojas virtuais, embora a ordem tenha sido revertida posteriormente.
Para defensores de direitos digitais, a convergência entre normas punitivas, vigilância técnica e centralização de governança acelera o afastamento do modelo aberto que marcou a rede desde os anos 1990. Eles lembram que a resiliência da internet decorre justamente de sua estrutura distribuída, projetada para sobreviver a falhas físicas — mas não a decisões estatais.
Em meio à discussão, o desafio será equilibrar combate a ilícitos sem reproduzir a “Grande Firewall” chinesa. Caso contrário, afirmam especialistas, o Brasil chegará — em velocidade tectônica, porém constante — ao mesmo ponto em que hoje se encontra o Nepal, onde a conexão mundial se converteu em rede doméstica sob forte filtragem.
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