Famílias das vítimas do 737 Max pedem a juiz que mantenha processo criminal contra a Boeing

Juiz texano decide se arquiva acusação de conspiração

O juiz federal Reed O’Connor, do Distrito Norte do Texas, ouve esta quarta-feira os argumentos finais sobre o pedido do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) para arquivar a acusação de conspiração para fraude que ainda pesa sobre a Boeing. A decisão determinará se a fabricante norte-americana continua ou não sob processo penal pelos dois acidentes mortais do 737 Max, ocorridos em outubro de 2018 na Indonésia e em março de 2019 na Etiópia, que provocaram 346 vítimas mortais.

Em 2021, o DoJ acusou a empresa de enganar a Autoridade Federal da Aviação (FAA) ao omitir detalhes do software MCAS, sistema de controlo de voo que empurrou o nariz dos aviões para baixo com base em leituras erradas de um único sensor. A acusação foi inicialmente suspensa ao abrigo de um acordo de não-processo, que incluía o pagamento de 2,5 mil milhões de dólares e reforço dos programas de ética. Contudo, em 2023, o governo concluiu que a Boeing falhou no cumprimento dos termos, reativando o processo.

Novo acordo prevê 1,1 mil milhões e dispensa julgamento

Após seis meses de negociações, o Departamento de Justiça e a Boeing assinaram, em julho de 2024, um novo entendimento. O pacto, designado “acordo de não-processo revisto”, determina que a acusação será retirada se a empresa pagar ou investir mais 1,1 mil milhões de dólares em multas, compensações às famílias e medidas internas de segurança durante dois anos. Caso a Boeing não cumpra os compromissos, o governo pode repor a acusação.

Para a acusação ficar arquivada, o juiz O’Connor tem de aceitar a proposta. Em dezembro, o magistrado recusou um acordo anterior, alegando falta de clareza sobre a escolha de um monitor independente e criticando eventuais influências de políticas de diversidade na seleção desse perito. A recusa permitiu à Boeing contestar publicamente a fundamentação jurídica do governo e reabrir as conversações.

Famílias querem julgamento público e punição a executivos

Cerca de 30 famílias, representadas pela francesa Catherine Berthet, cuja filha Camille Geoffrey morreu no acidente na Etiópia, pretendem que o juiz rejeite o pedido do Departamento de Justiça. O grupo defende a nomeação de um procurador especial que leve o caso a tribunal e responsabilize antigos dirigentes da empresa. Num comunicado, Berthet afirmou que cancelar o processo “nega justiça às vítimas” e “desconsidera a autoridade do tribunal”.

O DoJ contrapõe que 110 famílias apoiam ou não se opõem ao acordo e argumenta que o magistrado só pode recusar o arquivamento se provar que os procuradores atuaram de má-fé, e não no interesse público. A defesa da Boeing sublinha as “alterações significativas” implementadas nos seus programas de controlo de qualidade e anti-fraude desde a celebração do novo pacto.

Contexto dos acidentes e impacto na segurança aérea

O 737 Max entrou em serviço em 2017 com formação mínima para pilotos, aprovada pela FAA sem necessidade de simulador. Nos dois acidentes, o MCAS inclinou repetidamente a aeronave para baixo, e as tripulações não conseguiram recuperar o controlo. A frota foi suspensa mundialmente durante 20 meses, período em que a Boeing redesenhou o software.

A reputação de segurança da empresa voltou a ser questionada em janeiro de 2024, quando um painel da porta de emergência de um 737 Max se soltou num voo da Alaska Airlines sobre o Oregon. O incidente, sem vítimas graves, motivou novas inspeções e atrasou entregas.

Até agora, apenas um ex-piloto de ensaios enfrentou acusações individuais, acabando absolvido em 2022 por alegadamente enganar a FAA sobre as necessidades de formação. Nenhum antigo executivo foi indiciado.

Próximos passos

Depois de ouvir os testemunhos das famílias e os argumentos das partes, o juiz O’Connor decidirá se homologa o acordo de não-processo ou se mantém a acusação ativa, abrindo caminho para um eventual julgamento. A decisão poderá influenciar futuras negociações entre fabricantes de aeronaves, reguladores e vítimas, além de definir o alcance da responsabilidade penal de grandes empresas em desastres de aviação.

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