Fábrica em Goiás transforma argila iônica em insumo estratégico para ímãs de alta tecnologia

Lead — A cidade de Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital de Goiás, abriga a primeira e única planta industrial brasileira dedicada a processar terras raras voltadas à fabricação de ímãs permanentes. O complexo transforma argila iônica com concentração natural de 0,1% nesses elementos em carbonato com teor superior a 95%, matéria-prima fundamental para motores de veículos elétricos e engrenagens de turbinas eólicas.
- Quem: a estrutura pioneira e os profissionais envolvidos
- O quê: processamento de quatro elementos críticos
- Quando e onde: conexão entre mina e planta-piloto
- Como: etapas para elevar a concentração de 0,1% para 95%
- Por quê: demanda crescente na transição energética
- Etapa seguinte: separação individual dos 17 elementos
- Eficiência ambiental: reaproveitamento de água e reagentes
- Panorama brasileiro: reservas abundantes, produção incipiente
- Distribuição regional das terras raras no Brasil
- Goiás: do potencial mineral à industrialização
- Cadeia de valor e impactos tecnológicos
- Perspectivas para a produção nacional
Quem: a estrutura pioneira e os profissionais envolvidos
A operação é conduzida por uma empresa que, além de instalar a planta-piloto no município goiano, mobiliza especialistas de diferentes áreas. Entre eles estão o jurista Matheus Lima, responsável por aspectos regulatórios, e a engenheira de processos Ana Carolina Sales, que supervisiona as etapas técnicas de concentração. A presença desses profissionais evidencia o caráter multidisciplinar necessário para viabilizar a cadeia de terras raras, da extração ao produto semiacabado.
O quê: processamento de quatro elementos críticos
O trabalho concentra-se na obtenção de neodímio, praseodímio, disprósio e térbio, quatro dos 17 elementos que compõem o grupo das terras raras. Esses metais são especialmente valiosos por suas propriedades magnéticas e térmicas. Quando incorporados a ímãs permanentes, permitem que peças suportem temperaturas mais elevadas, resultando em componentes menores, mais leves e duráveis. A melhoria direta na eficiência energética dos motores é determinante para o desempenho de veículos elétricos e para a confiabilidade de turbinas destinadas à geração eólica.
Quando e onde: conexão entre mina e planta-piloto
A matéria-prima chega à fábrica vinda de Nova Roma, município goiano próximo à divisa com o Tocantins, onde a argila iônica é extraída. Já o beneficiamento e a concentração acontecem em Aparecida de Goiânia, aproveitando a infraestrutura logística do entorno da capital estadual. Esse arranjo geográfico reduz o tempo entre a lavra e o processamento, fator relevante para preservar a qualidade do material e otimizar custos operacionais.
Como: etapas para elevar a concentração de 0,1% para 95%
O percurso da argila até tornar-se carbonato de terras raras segue uma sequência controlada de operações:
1. Lavagem inicial — O material bruto entra em um cilindro lavador. Ali, a primeira interação com solução química remove substâncias indesejadas presentes na argila.
2. Peneiramento — Após a lavagem, o fluxo passa por peneiras que retêm partículas superiores a 1 milímetro. Essa triagem garante granulometria adequada às etapas seguintes.
3. Espessamento — No espessador, ocorre a separação entre frações sólida e líquida, resultando em uma polpa com maior densidade de minerais de interesse.
4. Filtração — A polpa segue para o filtro prensa, onde a remoção de impurezas finais permite alcançar o carbonato com teor superior a 95% de terras raras.
Para cada tonelada de argila processada, obtém-se aproximadamente um quilograma do concentrado. O ganho de pureza é proporcional à eficiência dos equipamentos e à precisão das variáveis de processo, controladas pela equipe de engenheiros.
Por quê: demanda crescente na transição energética
Ímãs que incorporam neodímio, praseodímio, disprósio e térbio são indispensáveis em aplicações que exigem alta densidade de potência e resistência térmica. No setor automotivo, motores elétricos dependem desses componentes para reduzir peso e aumentar autonomia de bateria. Já na geração eólica, a presença de ímãs de alto desempenho em turbinas favorece a produção estável de eletricidade, mesmo sob variações de velocidade do vento. Assim, a planta goiana atende a uma necessidade estratégica: fornecer insumos que sustentem tecnologias limpas com menor dependência de importações.
Etapa seguinte: separação individual dos 17 elementos
O carbonato de terras raras produzido em Aparecida de Goiânia ainda passará por processos adicionais. Primeiro, cada um dos 17 elementos químicos é isolado. Na sequência, eles são convertidos em ligas metálicas de alta pureza, estágio exigido para que ingressem na fabricação de ímãs permanentes. Essa fase de separação e metalização define a qualidade final do produto e, consequentemente, sua viabilidade econômica para diversos setores industriais.
Eficiência ambiental: reaproveitamento de água e reagentes
O método empregado dispensa uso de explosivos e de trituração de rocha, eliminando a geração de resíduos líquidos e a necessidade de barragens de rejeitos. A planta reutiliza 95% da água circulante e recupera 99% do principal reagente, classificado como fertilizante natural. A combinação dessas práticas posiciona o projeto como referência em economia de recursos e redução de impactos ambientais, sem comprometer o rendimento metalúrgico.
Panorama brasileiro: reservas abundantes, produção incipiente
Apesar de deter 23% das reservas conhecidas de terras raras, estimadas em 21 milhões de toneladas, o Brasil somou apenas 20 toneladas de produção em 2024, quantidade inferior a 1% do total mundial, calculado em 390 mil toneladas. O contraste entre disponibilidade geológica e oferta industrial expõe um desafio: transformar potencial mineral em cadeia produtiva estruturada.
O país também lidera as reservas globais de nióbio, com 94% do estoque mundial, equivalentes a 16 milhões de toneladas. Figura ainda como segundo maior detentor de grafita, com 74 milhões de toneladas (26% das reservas), e terceiro em níquel, com 16 milhões de toneladas (12%). A diversidade de recursos posiciona o território nacional como polo relevante para matérias-primas essenciais à transição energética e a tecnologias avançadas.
Distribuição regional das terras raras no Brasil
A maior parte das ocorrências de terras raras concentra-se nos estados de Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe. Em Araxá, Minas Gerais, localiza-se a única reserva oficialmente reconhecida do país, onde os elementos aparecem associados às rochas alcalinas, principalmente na apatita e na calcita. Já em Minaçu, norte goiano, existe uma mina ativa com 910 milhões de toneladas de minério contendo esses elementos, o que reforça o protagonismo estadual na cadeia.
Goiás: do potencial mineral à industrialização
O Estado de Goiás destaca-se por combinar reservas relevantes, unidade de extração em operação e agora a planta-piloto de concentração em Aparecida de Goiânia. Essa convergência reduz gargalos logísticos e cria ambiente propício para avançar na etapa de separação individual dos elementos, ainda não realizada em escala industrial no país. O empreendimento serve como laboratório de processos, treinamento de mão-de-obra especializada e demonstração de viabilidade econômica para futuros investimentos.
Cadeia de valor e impactos tecnológicos
A criação de uma oferta doméstica de carbonato de terras raras abre possibilidade de verticalização da indústria de ímãs permanentes. Com matéria-prima nacional, fabricantes de motores elétricos, turbinas eólicas e dispositivos de alta tecnologia podem reduzir custos de importação e prazos de entrega. Além disso, a produção local estimula pesquisa aplicada, desenvolvimento de ligas sob medida e capacitação de laboratórios dedicados à caracterização de materiais estratégicos.
Perspectivas para a produção nacional
Embora o volume inicial da planta-piloto seja limitado, o conhecimento acumulado durante a operação estabelece parâmetros para futuras unidades industriais de maior escala. A experiência goiana demonstra que é possível concentrar terras raras em ambiente controlado, com alto índice de reaproveitamento de insumos e sem os passivos ambientais associados a métodos convencionais de mineração. Se replicado, o modelo pode contribuir para que o Brasil converta sua expressiva reserva geológica em liderança produtiva, reduzindo dependência externa em um mercado cada vez mais estratégico.
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