Escassez de energia elétrica paralisa data centers no Vale do Silício e expõe desafio estrutural nos EUA

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O Vale do Silício, polo tecnológico da Califórnia e dos Estados Unidos, presencia um fenômeno inédito: data centers erguidos para atender à explosão de aplicações de inteligência artificial permanecem ociosos por ausência de energia elétrica suficiente. O impasse revela gargalos na infraestrutura de distribuição, amplia prazos de ligação de novas cargas e desafia empresas que investiram bilhões de dólares em instalações que, por ora, não podem ser ativadas.
- Quem está sendo impactado
- O que está em jogo
- Quando a escassez ganhou relevância
- Onde o impasse se concentra
- Como a demanda cresceu tão depressa
- Por que a rede não acompanha
- Consequências para além da Califórnia
- Estratégias dos investidores
- Pressão sobre concessionárias
- Impacto econômico local
- Visão dos executivos do setor
- Custos adicionais e riscos
- Projeções para os próximos anos
- Situação atual dos prédios vazios
- Desafios regulatórios
- Perspectiva do mercado de IA
Quem está sendo impactado
Duas companhias sintetizam o problema na cidade de Santa Clara. A Digital Realty, reconhecida como a maior fornecedora de chips de IA do mundo, concluiu um prédio de quatro andares e 40 mil m² cujo objetivo é entregar 48 MW de potência crítica. A Stack Infrastructure, adquirida pela Blue Owl Capital, finalizou uma planta de igual capacidade, distribuída em 51,1 mil m². Embora estejam estruturadas para operar, ambas seguem sem carga total porque a concessionária local, Silicon Valley Power (SVP), não consegue suprir a demanda.
O que está em jogo
A indisponibilidade de energia não é um detalhe operacional: trata-se de um entrave que posterga retorno financeiro de investimentos colossais. Segundo representantes do setor, 20 % a 25 % do custo total de construção de um data center é aplicado antes mesmo da energização completa, o que deixa capitais imobilizados por anos. Na Digital Realty, por exemplo, cada megawatt instalado nos Estados Unidos custa, em média, US$ 13,3 milhões, valor que sobe na Califórnia. Manter um edifício desse porte vazio implica despesas permanentes com manutenção, segurança e tributos sem qualquer receita de locação ou serviço.
Quando a escassez ganhou relevância
O sinal vermelho acendeu em 2019, ano em que a Digital Realty solicitou autorização municipal para o projeto. Passados seis anos, a meta de energizar 48 MW permanece em aberto. A Stack, que obteve aprovação em 2021, vive situação parecida. Enquanto isso, clientes de computação em nuvem alugam espaço antecipadamente: relatório da CBRE aponta que 74,3 % dos empreendimentos em obra nos Estados Unidos já foram contratados antes da conclusão. A Digital Realty sozinha reporta 61 % de seu portfólio de US$ 9,7 bilhões previamente comercializado.
Onde o impasse se concentra
Santa Clara abriga 57 data centers ativos ou em construção. Concentrar tantas máquinas num raio urbano restringe a margem da concessionária para redirecionar carga. A SVP executa uma modernização avaliada em US$ 450 milhões, cujo cronograma se estende até 2028. Até lá, solicitações extraordinárias de potência ficam submetidas a análises técnicas e dependem de obras em subestações, linhas de transmissão e sistemas de proteção.
Como a demanda cresceu tão depressa
Duas forças convergiram: a evolução acelerada de modelos de inteligência artificial e a expectativa de latência mínima em serviços digitais. Aplicações que processam volumes massivos de dados — desde treinamento de algoritmos até transações de alta frequência e veículos autônomos — exigem datacenters robustos e próximos dos centros populacionais. Quando essas instalações se afastam, a latência aumenta; quando se aproximam, a rede local precisa absorver cargas elétricas altíssimas. A BloombergNEF projeta que, somente nos Estados Unidos, a exigência energética vinculada à IA mais que dobrará até 2035.
Por que a rede não acompanha
Especialistas apontam três fatores entrelaçados: infraestrutura antiquada, ritmo lento na construção de novas linhas de transmissão e barreiras regulatórias. Grande parte das malhas de distribuição foi projetada para atender residências, comércio e indústria tradicional, não clusters computacionais devoradores de megawatts. A modernização exige licenças ambientais, autorizações municipais e alinhamento entre órgãos federais e estaduais, processo que costuma levar anos.
Consequências para além da Califórnia
O descompasso afeta outras regiões norte-americanas. A Dominion Energy, responsável pela chamada Data Center Alley, no norte da Virgínia — maior concentração mundial do segmento —, afirma que o prazo de conexão de grandes cargas saltou do intervalo histórico de um a três anos para até sete anos em casos extremos. No Oregon, a Amazon relata fornecimento inferior ao necessário para quatro complexos, pois a distribuidora sob gestão da Berkshire Hathaway não libera volume adicional.
Estratégias dos investidores
A Blue Owl Capital mobilizou mais de US$ 50 bilhões em projetos de computação, incluindo US$ 30 bilhões destinados à Meta na Louisiana e US$ 20 bilhões para infraestrutura da Oracle no Novo México. O co-CEO Marc Lipschultz destaca que o êxito de um data center depende tanto da escolha do terreno quanto da garantia do “poder certo” — termo que engloba capacidade elétrica contratada e viabilidade regulatória. Segundo ele, decisões tomadas anos antes definem se um campus digital se tornará operacional dentro do cronograma.
Pressão sobre concessionárias
Com contratos firmados e receitas projetadas, operadores de data centers pressionam utilities a acelerar obras. A Silicon Valley Power mantém acordos com Stack e Digital Realty que estabelecem condições de fornecimento e avaliou pedidos adicionais de carga. Crystal Delany, vice-presidente de gestão de portfólio na Digital Realty, informou que a meta corporativa é alcançar a capacidade total de 48 MW até o final do ano, trabalho realizado em cooperação com a SVP.
Impacto econômico local
A ociosidade das estruturas influencia o mercado imobiliário corporativo de Santa Clara. Instalações de grande porte absorvem terrenos valiosos e geram expectativa de empregos diretos e indiretos em construção, TI e manutenção. Quando o consumo previsto não se materializa, governos municipais deixam de arrecadar impostos derivados da operação plena, enquanto empresas enfrentam depreciação de ativos parados.
Visão dos executivos do setor
Bill Dougherty, vice-presidente executivo da CBRE, sintetiza a conjuntura: a demanda por data centers nunca foi tão intensa, e o fornecimento de energia se tornou o gargalo crítico. Ele lembra que determinados clientes — como traders de alta frequência e desenvolvedores de carros autônomos — não podem migrar para regiões remotas, pois dependem de tempos de resposta em microssegundos. Para esse perfil, a Califórnia continua obrigatória, ainda que o custo de terreno e eletricidade seja superior ao de estados como Texas ou Pensilvânia.
Custos adicionais e riscos
Quanto maior o intervalo entre conclusão física e energização, maior o risco de obsolescência tecnológica. Equipamentos instalados podem perder eficiência diante de novos padrões de processadores ou sistemas de refrigeração. Além disso, contratos que preveem entrega de capacidade em datas específicas podem incorrer em multas ou renegociação de preços se o fornecedor atrasar a ativação.
Projeções para os próximos anos
A SVP prevê finalizar sua atualização de US$ 450 milhões em 2028, prazo que coincide com o aperto previsto pela BloombergNEF no consumo nacional de IA. Caso as obras avancem sem percalços, os projetos hoje parados terão a possibilidade de entrar em plena atividade. Entretanto, se a demanda continuar escalando acima das previsões, as concessionárias poderão enfrentar um ciclo permanente de desequilíbrio entre oferta e procura.
Situação atual dos prédios vazios
O campus da Digital Realty permanece como “casca” estruturada: piso elevado, salas reservadas a servidores, sistemas de climatização instalados e expectativa de conexão com uma subestação dedicada. A Stack, por sua vez, divulgou folheto técnico indicando 12 MW prontos para locação imediata, com expansão até 48 MW mediante liberação de carga pela SVP. Embora as empresas não detalhem publicamente os contratos de locação já assinados, o interesse de clientes de nuvem indica que os espaços serão ocupados assim que a energia estiver disponível.
Desafios regulatórios
Além de construir linhas de transmissão, utilities precisam negociar com reguladores sobre tarifas, impacto ambiental e fontes de geração. A Califórnia adota metas de energia limpa, o que pressiona distribuidoras a integrarem fontes renováveis num ritmo que nem sempre acompanha a procura imediata dos data centers. Em estados com energia mais barata, parte das usinas planejadas ainda está em desenvolvimento, o que gera incerteza semelhante.
Perspectiva do mercado de IA
A visão de executivos como Sam Altman, da OpenAI, e Jensen Huang, da Nvidia, sobre investimentos trilionários em infraestrutura digital sustenta a corrida por novos campi computacionais. A necessidade de treinar e hospedar modelos de larga escala demanda tanto processamento como armazenamento de dados, convertendo megawatts em vantagem competitiva. Enquanto isso, a malha elétrica norte-americana passa por teste severo de capacidade de expansão.
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