Culto à Iemanjá reúne fiéis na Praia Vermelha e expõe debate sobre espaço religioso no réveillon do Rio

Culto à Iemanjá foi o centro das atenções na noite de 30 de dezembro, quando adeptos da Umbanda se reuniram na Praia Vermelha, na zona sul do Rio de Janeiro, para agradecer e pedir bênçãos à orixá que simboliza as águas nas religiões afro-brasileiras.
- Origem e significado do culto à Iemanjá
- Preparativos na Praia Vermelha para o culto à Iemanjá
- Experiências pessoais de devotos durante o culto à Iemanjá
- Estrutura organizada pela Auca e apoio institucional
- Debate sobre espaço religioso no réveillon carioca
- Impacto cultural e continuidade das celebrações
Origem e significado do culto à Iemanjá
Nas tradições iorubás incorporadas ao Candomblé e à Umbanda, Iemanjá é reverenciada como mãe das águas salgadas e protetora dos pescadores, simbolizando fertilidade, cuidado e renovação. No calendário dos terreiros cariocas, a véspera do réveillon se consolidou como momento de homenagens coletivas à divindade, alinhando-se à expectativa de um ano novo próspero. A celebração desta semana foi a quinta dedicada à entidade em apenas sete dias, evidenciando a intensidade da devoção que se intensifica na transição anual.
Preparativos na Praia Vermelha para o culto à Iemanjá
Para acomodar o fluxo de fiéis, a Associação Umbanda e Cultos Afros (Auca) organizou um espaço na areia com um barco azul e branco de cerca de dois metros, adornado com a imagem da orixá. No interior da embarcação, flores, cartas, perfumes e garrafas de espumante foram depositados como oferendas. O cenário contou com apoio logístico e de segurança da Coordenadoria da Diversidade Religiosa da prefeitura, garantindo iluminação, limpeza e ordenamento do público.
Dentro da ritualística, as cores predominantes foram o azul e o branco, mas a limitação de oferta de flores no comércio local ampliou a paleta. Rosas amarelas e palmas brancas se destacaram entre as oferendas. Os organizadores orientaram que apenas elementos biodegradáveis fossem lançados ao mar, reforçando preocupação ambiental compatível com a reverência às águas.
Experiências pessoais de devotos durante o culto à Iemanjá
Entre os primeiros a chegar, a recém-formada em arquitetura, de 23 anos, levou rosas amarelas após não encontrar flores brancas em bom estado. A jovem atribuiu à entidade parte de sua conquista acadêmica e decidiu manifestar gratidão pelo diploma e pelo emprego obtido no escritório onde estagiou. Sua atitude exemplifica a dimensão individual de um evento coletivo: cada devoto carrega intenções particulares que se somam no gesto comunitário.
Outro participante, cabeleireiro e maquiador de 58 anos, compareceu com palmas brancas ainda viçosas. Ele buscou interceder por saúde, trabalho e amor, mas levou também um pedido social: a redução da violência de gênero. Ao comentar o tema, relacionou a necessidade de respeito ao próximo ao quadro de agressões reportadas ao longo de 2025, projetando na fé a esperança de mudanças comportamentais na sociedade.
Relatos semelhantes se repetiram ao longo da noite. Muitos fiéis associaram a gratidão por conquistas pessoais a súplicas por bem-estar coletivo, evidenciando a natureza plural do ritual, que mescla motivações íntimas e demandas sociais.
Estrutura organizada pela Auca e apoio institucional
A Auca coordenou a gira – denominação dada à cerimônia que envolve cânticos, dança e entoação de pontos em louvor aos orixás – observando liturgia específica da Umbanda. O barco com oferendas serviu como altar principal. Líderes religiosos orientaram cânticos, tocadores manipularam atabaques e ogãs marcaram o ritmo que conduziu as saudações à Rainha do Mar.
Segundo a entidade organizadora, o rito de 30 de dezembro integrou uma série de cinco encontros programados para a última semana do ano. O acompanhamento da prefeitura incluiu agentes de ordenamento urbano, guardas municipais e equipes de limpeza. A presença do poder público foi ressaltada como reconhecimento da diversidade religiosa da cidade.
Debate sobre espaço religioso no réveillon carioca
Apesar do suporte descrito, lideranças da Umbanda apontaram tratamento desigual quando comparado a outras expressões de fé. O babalawô Ivanir dos Santos, historiador e pesquisador, avaliou como privilégio a montagem de um palco dedicado exclusivamente à música evangélica em Copacabana para a noite de 31 de dezembro. Em sua análise, o apoio concentrado em apenas um segmento religioso deixaria de contemplar a produção musical de católicos, muçulmanos, budistas e praticantes de matriz africana, setores que também dispõem de repertório próprio para louvor.
Ivanir destacou ainda que os cultos de orixás na orla de Copacabana, sobretudo aqueles centrados em Iemanjá, antecedem as tradicionais festas de réveillon. De acordo com sua memória cultural, terreiros foram pioneiros na adoção do branco como traje simbólico para a virada, hábito que se popularizou a partir da década de 1950. Para ele, a ausência de espaço específico para ritmos de terreiro representa risco de apagamento de práticas que contribuíram para a identidade das celebrações cariocas.
Em entrevista coletiva, o prefeito do Rio de Janeiro respondeu às críticas afirmando que parcela significativa da população aprecia música gospel e, por isso, mereceria palco próprio. O gestor municipal defendeu que a convivência entre quem oferece flores a Iemanjá e quem acompanha shows de louvor evangélico traduziria o sincretismo característico da capital fluminense. Ao fim da declaração, reforçou que a prefeitura pretende garantir cenário onde diferentes expressões de fé compartilhem o mesmo espaço urbano na virada do ano.
Impacto cultural e continuidade das celebrações
O culto à Iemanjá na Praia Vermelha reforçou a importância dos rituais de matriz africana na composição do mosaico religioso carioca. A participação ativa de jovens recém-graduados, profissionais liberais, pais de família e pessoas de diversos bairros evidenciou que a tradição segue se renovando. Além da dimensão espiritual, o evento movimentou ambulantes, produtores culturais e prestadores de serviços que atuaram no entorno, demonstrando repercussão econômica imediata.
Com o encerramento da gira, as atenções se voltam para a noite de réveillon em Copacabana, onde o palco gospel, os fogos de artifício e eventuais manifestações de outros credos deverão coexistir na orla mais famosa da cidade. A discussão sobre equilíbrio de fomento público entre diferentes religiões pode ganhar novos capítulos após a passagem de ano, dependendo da percepção coletiva sobre inclusão ou disparidades observadas.
Para os praticantes da Umbanda, o próximo momento aguardado é a tradicional Festa de Iemanjá realizada em 2 de fevereiro em diversos pontos litorâneos do país. Embora organizada de forma descentralizada, a data reforça os laços entre terreiros e comunidades litorâneas, dando sequência ao ciclo de homenagens que se iniciou em 30 de dezembro na Praia Vermelha.

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