Cratera lunar ajuda sonda JUICE a afinar radar para procurar vida em Júpiter

A missão JUICE da Agência Espacial Europeia (ESA) recorreu a uma cratera na Lua para validar o principal instrumento que irá procurar sinais de água subterrânea nas luas geladas de Júpiter. O teste, realizado durante um sobrevoo lunar, confirmou a fiabilidade do Radar for Icy Moons Exploration (RIME), passo considerado essencial antes da longa viagem até ao sistema joviano.

Fotografia histórica ganha novo papel científico

A cratera utilizada chama-se Nascer da Terra de Anders, designação atribuída em 2018 à depressão que durante décadas foi conhecida como Pasteur T. A formação ficou célebre graças à fotografia “Earthrise”, captada em 1968 pelo astronauta norte-americano William Anders durante a missão Apollo 8. A imagem, que mostra a Terra surgindo no horizonte lunar, tornou-se símbolo da exploração espacial e da fragilidade do planeta.

Mais de meio século depois, a mesma cratera foi selecionada pelos engenheiros da ESA para servir de alvo ao primeiro teste operacional do RIME. A escolha baseou-se na abundância de dados topográficos já recolhidos por sondas da NASA, permitindo comparar medições e verificar o desempenho do radar com base em referências fiáveis.

Oito minutos de silêncio para calibrar o RIME

O ensaio decorreu há cerca de um ano, pouco depois do lançamento da JUICE em abril de 2023. Durante um segmento de apenas oito minutos, todos os outros instrumentos da sonda foram desligados, garantindo o silêncio electrónico necessário ao funcionamento do radar. Neste intervalo, o RIME emitiu ondas de rádio de baixa frequência e registou os ecos reflectidos pelas camadas superficiais da cratera e das áreas adjacentes.

Os resultados iniciais revelaram uma correspondência geral com mapas existentes, mas também expuseram um problema: o próprio sistema eléctrico da JUICE gerava ruído que mascarava parte do sinal útil. Para corrigir o defeito, a equipa de engenharia passou vários meses a desenvolver um algoritmo de filtragem capaz de distinguir interferências internas dos ecos legítimos.

Com a nova rotina de software aplicada aos dados, os traços topográficos da Nascer da Terra de Anders alinharam-se com precisão com as medições históricas. Segundo a ESA, a compatibilidade confirma que o RIME está pronto para sondar o subsolo das luas Europa, Ganimedes e Calisto, onde se suspeita existirem oceanos sob crostas geladas.

Etapas até ao sistema joviano

A JUICE encontra-se agora numa fase de cruzeiro que incluirá manobras gravitacionais em Vénus e na própria Terra para ganhar velocidade adicional. O cronograma oficial prevê a chegada a Júpiter em 2031, dando início a uma campanha de 35 sobrevoos aos maiores satélites naturais do planeta. Após essa série de passagens rasantes, a nave entrará em órbita de Ganimedes até 2035, tornando-se a primeira missão a orbitar uma lua diferente da terrestre.

Durante o percurso, o RIME deverá perfurar virtualmente as camadas geladas até nove quilómetros de profundidade, medindo espessura e composição do gelo, bem como possíveis reservas de água líquida. Essas informações ajudarão a avaliar a habitabilidade dos ambientes subterrâneos e a planear futuras missões, tripuladas ou robóticas, que possam recolher amostras in situ.

Importância para a procura de vida

Os cientistas consideram que luas como Europa ou Ganimedes têm potencial para albergar formas de vida microbiana graças à combinação de água, fontes de energia e elementos químicos essenciais. Ao confirmar que o RIME opera dentro dos parâmetros exigidos, a ESA reforça a confiança na capacidade da JUICE para cumprir um dos principais objectivos da exploração espacial moderna: determinar se existem locais potencialmente habitáveis para além da Terra.

A validação técnica obtida na cratera lunar não só garante a qualidade dos próximos dados como demonstra a utilidade de infra-estruturas já conhecidas para ensaios cruciais. Neste caso, uma fotografia emblemática do passado serviu de ponte para o futuro da investigação planetária, sem necessidade de recursos adicionais ou riscos operacionais elevados.

Com a fase de testes concluída, a JUICE continua a ampliar a órbita em torno do Sol antes de iniciar o longo trajecto para o gigante gasoso. Se tudo decorrer como previsto, as observações de alta resolução das luas geladas poderão começar dentro de sete anos, fornecendo pistas essenciais sobre a origem e evolução de mundos distantes e, possivelmente, sobre a existência de vida fora do nosso planeta.

Cratera lunar ajuda sonda JUICE a afinar radar para procurar vida em Júpiter - Imagem do artigo original

Imagem: NASA com anotação adicionada pela ESA via olhardigital.com.br

Posts Similares

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.