Encerramento da COP30 em Belém frustra expectativa de acordo global para eliminar combustíveis fósseis

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas chegou ao fim em Belém mantendo um ponto cego considerado decisivo pelos defensores da ação climática: o compromisso com a eliminação gradual dos combustíveis fósseis não foi incluído no texto oficial de encerramento. A lacuna se formou apesar de uma proposta brasileira que desenhava um roteiro concreto para essa transição, documento apoiado por mais de 80 países, mas rejeitado por nações exportadoras de petróleo, com destaque para a Arábia Saudita. O desfecho consolidou a sensação de contraste entre a mobilização inicial da conferência e o resultado efetivamente alcançado.
Proposta brasileira e adesão internacional
O plano apresentado pelo Brasil delineava um “mapa do caminho” para que a comunidade internacional abandonasse de forma escalonada a produção e o consumo de carvão, petróleo e gás. A iniciativa previa metas intermediárias, mecanismos de verificação e orientação sobre financiamento, oferecendo aos países signatários um cronograma preciso para a transição energética. Ao longo dos debates, esse arcabouço foi ganhando adesões até superar a marca de 80 Estados, incluindo economias industrializadas e nações vulneráveis ao aquecimento global. Essa convergência indicava, para os apoiadores, amadurecimento político em torno da urgência apontada pela ciência climática.
Resistência dos países produtores de petróleo
O avanço do texto foi interrompido pelo bloco de países cujo Produto Interno Bruto é fortemente ancorado na exportação de hidrocarbonetos. Entre eles, a Arábia Saudita assumiu a linha de frente, argumentando que menções explícitas ao fim dos combustíveis fósseis poderiam comprometer estratégias de desenvolvimento e estabilidade econômica. Segundo negociadores que acompanharam as plenárias, as discussões se estenderam até a madrugada de sábado, 22, numa tentativa derradeira de suavizar a linguagem ou criar salvaguardas que satisfizessem ambas as partes. A falta de consenso, porém, permaneceu, e qualquer referência ao tema foi retirada da versão final.
Posicionamento do Brasil após o impasse
Em entrevista concedida após a aprovação do documento, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, confirmou que o texto oficial não contempla o cronograma proposto pelo Brasil. Mesmo assim, anunciou que o país manterá a iniciativa como programa independente, buscando adesão voluntária de governos, setor privado e sociedade civil. A decisão procura salvaguardar parte do capital diplomático acumulado desde a abertura do evento, quando o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia apresentado o Brasil como articulador de uma coligação global para superar a era dos combustíveis fósseis.
Repercussão entre especialistas e sociedade civil
Para cientistas do clima e organizações ambientais, a ausência de metas vinculantes relativas ao petróleo, ao carvão e ao gás abriu uma lacuna significativa entre o diagnóstico da emergência climática e as ações negociadas. O climatologista Carlos Nobre, que acompanhou os bastidores da conferência, observou que o rascunho liderado pelo Brasil estabelecia, de forma ideal, a neutralização completa do uso de combustíveis fósseis até 2040, não ultrapassando 2045. Segundo sua avaliação, ultrapassar esse limite coloca o planeta em trajetória de aquecimento que pode exceder 2 °C em meados do século, agravando riscos humanitários e ecológicos.
Representantes de entidades sociais compartilharam preocupação semelhante, argumentando que a não inclusão da meta compromete políticas de mitigação e perpetua desigualdades regionais. Para esses grupos, sem a redução acelerada da queima de petróleo, carvão e gás, torna-se difícil atrair investimentos verdes, proteger populações vulneráveis a eventos extremos e romper ciclos de pobreza associados a desastres climáticos.
Negociações prolongadas e padrão histórico das COPs
A COP30 não foi a primeira conferência do clima a ultrapassar o prazo oficial de encerramento. Estender as negociações pela madrugada faz parte da dinâmica desses encontros, cujo objetivo é alinhar interesses de quase 200 partes. Contudo, o episódio em Belém espelhou impasses de edições anteriores, nas quais as metas de redução de emissões esbarraram em divergências econômicas e geopolíticas. O episódio reforçou o desafio de traduzir, para decisões vinculantes, o consenso científico que atribui à queima de combustíveis fósseis a maior parcela das emissões de gases de efeito estufa.
Avanços paralelos obtidos em Belém
Embora o tema central da eliminação dos combustíveis fósseis tenha ficado de fora, a conferência registrou progressos em outras frentes. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) recebeu um aporte de 1 bilhão, proveniente da Alemanha, elevando o volume total do mecanismo para mais de US$ 6 bilhões. O objetivo do fundo é remunerar financeiramente países em desenvolvimento que conservam florestas tropicais, como as nações da Bacia do Congo e do Sudeste Asiático, além de reforçar a proteção da Amazônia. Especialistas avaliaram que o novo fôlego financeiro cria condições para expandir iniciativas de monitoramento, combate ao desmatamento e desenvolvimento econômico de baixo impacto nas regiões contempladas.
Outro ponto considerado positivo foi a consolidação de instrumentos de financiamento para a transição energética. Embora o fundo global de adaptação permaneça distante da meta estimada em US$ 1,3 trilhão anuais, os recursos mobilizados em Belém superaram os comprometidos na conferência anterior, indicando uma tendência de crescimento gradual. Esse reforço é visto como essencial para que países de renda média e baixa possam acelerar estratégias de descarbonização sem comprometer metas de desenvolvimento socioeconômico.
Consequências e próximas etapas
Ao final das sessões, observadores destacaram que o resultado inacabado em relação aos combustíveis fósseis ampliou a pressão sobre processos paralelos de governança climática. O Brasil, ao manter a proposta como programa independente, sinaliza que buscará liderar consórcios temáticos fora da estrutura de consenso da ONU, ao mesmo tempo em que continuará a dialogar com nações produtoras de petróleo para tentar reduzir resistências. Essa abordagem híbrida, combinando diplomacia formal e arranjos voluntários, tende a ser testada nos próximos anos como caminho possível diante das limitações percebidas no formato multilateral.
Por outro lado, o sucesso do lobby do petróleo expôs novamente a força de setores econômicos tradicionais na definição de políticas climáticas. A repetição desse padrão alimenta o receio de que a ambição necessária para limitar o aquecimento global permaneça aquém do recomendado pelos estudos científicos. Organizações da sociedade civil pretendem, portanto, intensificar campanhas de pressão sobre governos e empresas, destacando que postergar a transição energética gera custos maiores a longo prazo, tanto em danos econômicos quanto em impactos sociais.
Apesar dos retrocessos, a conferência consolidou instrumentos de financiamento, fortaleceu mecanismos de proteção florestal e manteve a temática climática no centro do debate internacional. Para especialistas, esses ganhos parciais indicam que a trajetória de redução de emissões, ainda que insuficiente, não retrocedeu. No entanto, a lacuna aberta pela ausência de um cronograma global para a eliminação de combustíveis fósseis deverá permanecer como ponto de tensão nas próximas rodadas de negociação, exigindo criatividade diplomática e pressão social para que a ciência se traduza em metas políticas concretas.

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