Presença de níquel no cometa 3I/ATLAS não prova tecnologia alienígena

O Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul, identificou níquel atómico no cometa interestelar 3I/ATLAS, sem sinais concomitantes de ferro. A ausência do segundo metal motivou conjecturas sobre uma possível origem tecnológica do objeto, mas astrofísicos afastam essa hipótese e atribuem a composição do cometa a processos químicos naturais.

Deteção inédita intriga a comunidade

A descoberta foi anunciada na última semana e chamou a atenção por contrariar o padrão observado noutros cometas, nos quais níquel e ferro costumam surgir em conjunto. No entanto, Thiago Maia, físico e astrofísico convidado do programa Olhar Espacial, lembrou que cometas do Sistema Solar e o também interestelar 2I/Borisov já apresentaram níquel atómico isolado. Segundo o especialista, o fenómeno é raro, mas não inédito nem indicativo de engenharia extraterrestre.

Maia adiantou que o níquel pode ter ficado retido em moléculas de monóxido de carbono durante a formação do cometa numa região fria do seu sistema de origem. À medida que o objeto se aproxima do Sol, a luz ultravioleta desagrega essas moléculas e liberta o metal, explicando a deteção isolada.

Níquel tetracarbonil como chave do enigma

A hipótese mais aceite envolve a formação de níquel tetracarbonil, composto constituído por um átomo de níquel rodeado por quatro moléculas de monóxido de carbono. Esta estrutura é altamente instável sob radiação ultravioleta, quebrando-se com facilidade e libertando componentes que o VLT consegue observar a partir da Terra. O processo justificaria a presença de níquel e monóxido de carbono sem a necessidade de ferro.

Marcelo Zurita, astrónomo e apresentador do mesmo programa, sublinhou que a ausência de ferro pode ser temporária. Na sua perspetiva, o metal poderá simplesmente ainda não ter sublimado o suficiente para ser detetado. Observações futuras deverão confirmar ou refutar essa possibilidade.

Dados do James Webb reforçam cenário gelado

Paralelamente às medições do VLT, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) registou uma proporção de dióxido de carbono superior à de água no 3I/ATLAS, outra configuração pouco comum em cometas. O exame ocorreu quando o objeto se encontrava a 3,3 unidades astronómicas do Sol. Os investigadores esperam que, com a aproximação adicional, aumente a quantidade de vapor de água detetada, alinhando-se com padrões observados noutros corpos gelados.

A presença abundante de CO₂ congelado aponta para uma origem em zonas extremas de um sistema planetário, onde as temperaturas mantêm o gás em estado sólido. Para os cientistas, estes dados ajudam a reconstruir o percurso do cometa antes de entrar no Sistema Solar, mas não fornecem indícios de intervenção inteligente.

Especialistas afastam alarmismo

Face às teorias que sugerem uma esfera de níquel concebida para suportar altas temperaturas, Maia destacou que uma estrutura metálica maciça não libertaria níquel atómico na forma detetada pelo VLT. Além disso, um revestimento desse tipo não resistiria à reentrada na atmosfera terrestre. “Não é preciso procurar abrigo”, ironizou o astrofísico, salientando que a explicação mais simples continua a ser a ação de processos físico-químicos naturais.

Os investigadores mantêm a monitorização do 3I/ATLAS com múltiplos instrumentos, esperando recolher espectros detalhados à medida que o cometa se desloca. As próximas medições deverão esclarecer a evolução da composição volátil e confirmar a presença de ferro. Até lá, a comunidade científica considera prematuras quaisquer conclusões sobre tecnologia alienígena.

O 3I/ATLAS é o terceiro objeto interestelar identificado a atravessar o Sistema Solar, depois de 1I/‘Oumuamua, observado em 2017, e 2I/Borisov, registado em 2019. Tal como os antecessores, oferece uma oportunidade rara para estudar material formado fora do domínio solar e comparar processos de formação planetária em diferentes ambientes cósmicos.

Para já, os dados disponíveis apontam para um corpo gélido, possivelmente originário de regiões ricas em monóxido de carbono, que liberta níquel atómico através da fotodestruição de compostos voláteis. Todos os especialistas ouvidos convergem na mesma conclusão: não há evidências de engenharia alienígena no cometa 3I/ATLAS.

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