O cometa 3I/ATLAS, terceiro objeto interestelar detetado no Sistema Solar, aproxima-se de Marte no início de outubro, oferecendo uma oportunidade inédita para recolha de dados. A Agência Espacial Europeia (ESA) prepara uma série de observações a partir das sondas actualmente em órbita do planeta vermelho, enquanto outras missões espalhadas pelo Sistema Solar ajustam os seus instrumentos para acompanhar o fenómeno.
Passagem a 30 milhões de quilómetros de Marte
Descoberto a 1 de julho pelo sistema ATLAS, no Havai, o 3I/ATLAS atingirá o ponto de maior proximidade com Marte a 3 de outubro, quando ficará a cerca de 30 milhões de quilómetros do planeta. Apesar da distância, esta configuração coloca as sondas marcianas numa posição privilegiada para escrutinar o visitante antes da sua aproximação ao Sol, prevista para 29 de outubro.
As naves Mars Express e ExoMars Trace Gas Orbiter (TGO), geridas pela ESA, lideram a campanha. A Mars Express recorrerá à Câmara Estéreo de Alta Resolução (HRSC) para determinar a forma do corpo celeste, enquanto o TGO utilizará o sistema CaSSIS e vários espectrómetros para procurar sinais de vapor de água ou compostos orgânicos. A expectativa é de emissões ténues, mas qualquer deteção ajudará a definir a actividade cometária.
Contributo de missões internacionais
A NASA dispõe de duas orbitas operacionais em Marte que podem colaborar: MAVEN e Mars Reconnaissance Orbiter (MRO). A China, por sua vez, mantém o Tianwen-1 em órbita, equipado com uma câmara de alta resolução comparável à do MRO. Estas plataformas poderão fornecer imagens complementares e, em alguns casos, espectroscopia ultravioletas ou análise de partículas, dependendo do desenvolvimento da cauda do cometa.
Fora da esfera marciana, a missão Psyche da NASA, a caminho do asteroide metálico 16 Psyche, e a sonda JUICE da ESA, actualmente em rota para Júpiter, estarão a 45 e 68 milhões de quilómetros, respetivamente. A geometria das suas trajectórias permitirá medições fotométricas úteis, aumentando a amostra de dados obtida a diferentes distâncias e ângulos de fase.
Janela rara para estudar material extragaláctico
Após ʻOumuamua (2017) e 2I/Borisov (2019), o 3I/ATLAS é apenas o terceiro visitante conhecido proveniente de fora do Sistema Solar. O seu estudo pode revelar informações sobre as condições que prevaleciam na galáxia há milhares de milhões de anos. Segundo investigadores envolvidos na campanha, o material que compõe o cometa poderá anteceder a formação do Sistema Solar em cerca de três mil milhões de anos, constituindo uma amostra única do chamado “meio-dia cósmico”, período de intensa formação estelar.
Imagens obtidas pelo Very Large Telescope, no Chile, já confirmaram o desenvolvimento de uma cauda típica, indício de sublimação de voláteis. Observações no infravermelho realizadas pelo Telescópio Espacial James Webb sugerem ainda uma composição química invulgar, reforçando o interesse em espectros detalhados.
Possíveis intercetações futuras
À medida que o cometa se aproximar do interior do Sistema Solar, outras missões poderão cruzar a sua cauda. As sondas solares SOHO e Parker Solar Probe, bem como a futura missão PUNCH, têm linhas de visão que poderão intersectar o fluxo de poeira. Caso ocorra, instrumentos de espectrometria de massa podem recolher partículas e clarificar a proveniência do objeto.
Modelos dinâmicos indicam ainda que fragmentos libertados pelo 3I/ATLAS podem, no futuro, originar chuvas de meteoros em Marte ou mesmo na Terra se as órbitas se cruzarem. A monitorização contínua ajudará a prever estes eventos e a planear eventuais recolhas de amostras.
Deteção de futuros visitantes
O Observatório Vera C. Rubin, recém-inaugurado no Chile, já capturou imagens do cometa e deverá desempenhar um papel central na identificação de novos objetos interestelares. O seu levantamento profundo do céu possibilitará alertas antecipados, aumentando a probabilidade de missões dedicadas ou intercepções oportunistas.
Para a comunidade científica, os próximos meses representam uma corrida contra o tempo. A conjugação de observatórios em Marte, naves em trânsito interplanetário e telescópios terrestres pode criar o retrato mais completo até hoje de um corpo proveniente de outra estrela. Se bem-sucedida, a campanha expandirá o conhecimento sobre a diversidade e a origem do material que circula na Via Láctea, abrindo caminho a novas investigações sobre a formação dos sistemas planetários.