Colisão com Theia: estudo isotópico reforça origem vizinha da Lua e da Terra

Um novo exame de assinaturas químicas preservadas em amostras da Terra, da Lua e de meteoritos reforça a hipótese de que o corpo celeste Theia surgiu no Sistema Solar interno, praticamente ao lado da jovem Terra, antes de ambos colidirem há cerca de 4,5 bilhões de anos. O estudo, conduzido por equipes do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, na Alemanha, e da Universidade de Chicago, foi publicado na revista Science e oferece detalhes sobre a formação do nosso planeta, do seu satélite natural e dos processos que moldaram os primeiros momentos do Sistema Solar.
Quem está por trás da investigação
O trabalho foi liderado pelo geocientista Timo Hopp, do Instituto Max Planck, com a participação do cosmoquímico Thorsten Kleine e de colegas da Universidade de Chicago. O grupo reúne especialistas em geoquímica de alta precisão capazes de detectar variações minúsculas na massa de átomos — os isótopos — que servem como impressões digitais da história de cada corpo rochoso.
O que motivou o estudo
Desde a década de 1970, a comunidade científica trabalha com o modelo do impacto gigante, segundo o qual um protoplaneta do tamanho de Marte teria se chocado com a proto-Terra, gerando detritos que se recombinaram para originar o nosso satélite. Embora amplamente aceito, o cenário sempre esbarrou em uma questão: se Lua e Terra surgiram a partir de uma mistura de materiais, por que apresentam composições químicas tão semelhantes? Localizar a origem de Theia ajuda a fechar essa lacuna e fornece pistas sobre a distribuição de matéria no Sistema Solar nascente.
Quando e onde tudo aconteceu
A colisão entre Theia e a Terra primordial ocorreu aproximadamente 4,5 bilhões de anos atrás, em algum ponto da órbita terrestre em torno do Sol. O choque foi intenso o suficiente para fundir as duas massas de rocha e metal, vaporizando parte do material. Em questão de horas, uma nuvem de detritos envolvia o que restava de ambos os corpos. Ao longo dos milênios seguintes, a gravidade plasmou esse disco de fragmentos, consolidando-o novamente em duas entidades: a Terra moderna, mais massiva, e a Lua, menor e estabilizada em órbita.
Como a equipe chegou às novas conclusões
Para rastrear a procedência de Theia, os pesquisadores compararam proporções de isótopos de ferro, cromo, cálcio, titânio e zircônio presentes em três conjuntos de amostras: rochas terrestres atuais, materiais trazidos das missões lunares e meteoritos representativos de diferentes regiões do Sistema Solar.
A abordagem parte do princípio de que cada porção da nebulosa solar inicial possuía uma assinatura isotópica distinta. Ao longo da formação dos planetas, esses padrões permaneceram relativamente intactos em minerais mais refratários ou nos fragmentos que não passaram por processos geológicos intensos. Dessa forma, comparar amostras atuais permite reconstruir a posição original de cada protoplaneta.
Os meteoritos analisados foram classificados em dois grandes grupos:
Meteoritos não carbonáceos (NC): formados no Sistema Solar interno, são ricos em silicatos e pobres em carbono.
Condritos carbonáceos (CC): provenientes do Sistema Solar externo, contêm mais carbono e água, além de concentrações específicas de isótopos leves.
As composições isotópicas da Lua apresentam extrema semelhança com as da Terra, mas não coincidência total. As pequenas diferenças observadas apontam para uma fonte de material que se originou na mesma região interna do Sistema Solar, porém não exatamente no mesmo ponto da órbita terrestre. Segundo o artigo, a comparação mostra que o perfil de Theia não se ajusta aos condritos carbonáceos; em vez disso, enquadra-se no espectro dos meteoritos não carbonáceos, reforçando a ideia de uma vizinhança comum entre os dois corpos antes da colisão.
Por que as assinaturas isotópicas são decisivas
Isótopos se distinguem pelo número de nêutrons no núcleo atômico, o que os torna mais leves ou mais pesados. Ao longo de processos de formação planetária, esses átomos sofrem frações mínimas de separação em função do ponto de fusão, densidade e afinidade química. Por exemplo, elementos como ferro e molibdênio tendem a migrar para o núcleo metálico em estado de fusão, enquanto zircônio permanece no manto silicatado. Registrar a distribuição atual desses elementos, portanto, é como ler um diário geológico das etapas de diferenciação interna e dos impactos externos que alteraram a composição inicial.
Os dados obtidos pela equipe indicam que parte do ferro existente no manto terrestre não se originou nos materiais iniciais do planeta, mas foi acrescentado posteriormente, muito provavelmente no estágio de agregação resultante do choque com Theia. A revelação confirma modelos que previam uma “contaminação” do manto por metais siderófilos oriundos de protoplanetas engolfados após a formação do núcleo.
Consequências imediatas da colisão
O impacto transformou tanto a Terra quanto Theia em uma massa global de magma, com temperaturas suficientes para manter rochas e metais derretidos. Na fase subsequente:
• Materiais mais densos, sobretudo ferro, afundaram, contribuindo para o núcleo metálico da Terra.
• Minerais leves e silicáticos formaram o manto e a crosta iniciais.
• Fragmentos projetados para a órbita consolidaram-se na Lua.
Desde então, o satélite se afasta gradualmente do planeta na taxa atual de 3,8 centímetros por ano, consequência da troca de momento angular entre ambos os corpos e as marés que a Lua provoca nos oceanos.
Implicações para a formação de planetas
Comprovar que Theia também se originou perto do Sol sustenta a hipótese de que a região interna do Sistema Solar possuía diversos protoplanetas competindo por matéria em órbitas relativamente próximas. Colisões entre esses objetos teriam sido comuns e desempenhado papel central na consolidação dos planetas rochosos atuais.
O estudo ainda oferece parâmetros refinados para modelos numéricos que simulam impactos gigantes. Ao restringir a composição e a localização originais dos corpos, os cientistas podem refinar cálculos de ângulo de colisão, velocidade relativa e distribuição de detritos, o que afeta previsões sobre a massa final da Terra, a química do manto e a quantidade de material que formou a Lua.
Próximos passos na pesquisa
A equipe planeja ampliar a análise isotópica incorporando elementos como tungstênio e platina, cujo comportamento siderófilo fornece pistas adicionais sobre a evolução do núcleo. Outra frente envolve comparar rochas lunares de regiões ainda não amostradas, especialmente da face oculta, para verificar se há heterogeneidades que possam revelar detalhes sobre a mistura de materiais pós-impacto.
Ao conectar vestígios químicos microscópicos a eventos macroscópicos de colisão planetária, o estudo fortalece a noção de que as origens da Terra e da Lua são inseparáveis. Conhecer a trajetória de Theia ajuda a explicar não apenas onde nossa casa cósmica nasceu, mas também por que ela possui uma Lua grande o bastante para estabilizar o eixo de rotação e influenciar marés, fatores considerados cruciais para a evolução da vida.

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