Cirurgia cardíaca inédita corrige atresia de valva pulmonar em feto de 29 semanas no RS

Um procedimento intrauterino sem precedentes no Rio Grande do Sul restabeleceu o fluxo sanguíneo do coração de um feto ainda na 29ª semana de gestação. A operação, conduzida no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, abordou uma atresia de valva pulmonar — malformação que bloqueia a passagem de sangue para os pulmões e ameaça o desenvolvimento de todo o lado direito do órgão. A iniciativa reuniu obstetras, cardiologistas intervencionistas, especialistas em cardiopatias congênitas e anestesista, criando um esforço conjunto para evitar complicações graves após o nascimento.
- Quem participou da intervenção
- O que motivou a cirurgia
- Como a equipe operou dentro do útero
- Quando o procedimento se mostrou crucial
- Por que a atresia de valva pulmonar é tão grave
- Consequências evitadas ao corrigir o fluxo sanguíneo
- Recuperação fetal monitorada por ultrassom
- Percepção da gestante
- Importância do diagnóstico precoce
- Impacto para a medicina fetal no Brasil
Quem participou da intervenção
A formação da equipe foi estratégica para lidar com a complexidade do caso. Obstetras garantiram a segurança materna, enquanto cardiologistas intervencionistas coordenaram a abertura da válvula fechada. Profissionais dedicados a cardiopatias congênitas ofereceram expertise em anatomia fetal, e o anestesista cuidou do controle da dor e da estabilidade hemodinâmica. Sob a coordenação do Serviço de Cirurgia Fetal, todos atuaram de forma sincronizada para concluir o procedimento em 29 de outubro.
O que motivou a cirurgia
O gatilho para a decisão cirúrgica surgiu durante um exame morfológico de rotina. As imagens identificaram que a válvula pulmonar do feto não se abria, sinal direto de que o sangue não alcançava os pulmões em quantidade suficiente. Esse bloqueio criava o risco de o lado direito do coração não se desenvolver adequadamente, quadro que poderia exigir cirurgias complexas logo após o parto e elevar substancialmente o risco de mortalidade neonatal.
Como a equipe operou dentro do útero
A abordagem escolhida foi percutânea e minimamente invasiva. Por intermédio da parede abdominal materna, os profissionais introduziram uma agulha fina até o coração fetal. Em seguida, um cateter foi guiado através da válvula obstruída. A manobra foi delicada: abrir a passagem sem causar trauma adicional à estrutura cardíaca minúscula. O êxito da técnica restabeleceu o fluxo na artéria pulmonar, condição considerada essencial para que o lado direito do coração continue a crescer até o nascimento.
Quando o procedimento se mostrou crucial
O estágio gestacional — 29 semanas — foi decisivo. O diagnóstico tardiamente avançaria para um cenário em que a malformação se consolidaria, diminuindo a chance de reversão dentro do útero. Por outro lado, executar a operação cedo demais poderia gerar riscos desnecessários em um coração ainda menor. O momento exato equilibrou a maturidade fetal com a urgência de evitar sequelas irreversíveis.
Por que a atresia de valva pulmonar é tão grave
A válvula pulmonar regula a saída de sangue do ventrículo direito para a artéria pulmonar. Quando permanece fechada, impede a oxigenação adequada e compromete o crescimento das cavidades cardíacas direitas. Em recém-nascidos, essa condição costuma demandar cirurgias abertas ou múltiplas intervenções, pois a circulação fica dependente de vias alternativas. A impossibilidade de correção intrauterina, historicamente, levava a altos índices de mortalidade ou a longa permanência em terapia intensiva neonatal.
Consequências evitadas ao corrigir o fluxo sanguíneo
Com a restauração do fluxo antes do parto, a equipe reduziu a probabilidade de insuficiência cardíaca logo nas primeiras horas de vida. Também diminuiu a necessidade de procedimentos cardiológicos imediatos pós-nascimento, como cirurgias de alta complexidade para reconstruir a saída do ventrículo direito. Dessa forma, o bebê ganha tempo para completar a formação do coração dentro de um ambiente fisiologicamente mais favorável.
Recuperação fetal monitorada por ultrassom
Imagens obtidas após a cirurgia já mostraram a válvula aberta e o sangue transitando pela artéria pulmonar. Esse acompanhamento é fundamental porque permite verificar, em tempo real, se o tecido valvar mantém a mobilidade e se o ventrículo direito está crescendo. Até o momento, os sinais clínicos são considerados positivos pela equipe, indicando evolução compatível com um desenvolvimento cardíaco mais próximo do padrão esperado.
Percepção da gestante
A mãe, Jéssica Peruzzo, descreveu o período anterior à intervenção como marcado por incertezas, mas acentuou a sensação de acolhimento dentro do hospital. De acordo com seu relato, o atendimento multidisciplinar transformou o medo inicial em confiança no procedimento. Ela atribui à realização de exames cardíacos na gestação a chance de intervir a tempo de salvar a vida da filha e incentiva outras grávidas a manterem o acompanhamento pré-natal rigoroso.
Importância do diagnóstico precoce
O caso sublinha a relevância do ultrassom morfológico e de avaliações cardiológicas específicas durante a gestação. A detecção de anomalias estruturais em estágios nos quais ainda é viável agir intrauterinamente amplia as opções terapêuticas, reduz custos futuros e melhora perspectivas de sobrevida. Tal abordagem integra tendências da medicina fetal, que evolui do mero diagnóstico para intervenções diretas e, quando possível, curativas antes do nascimento.
Impacto para a medicina fetal no Brasil
Embora cirurgias endocardiacais fetais já tenham sido relatadas em outros centros internacionais, a realização do procedimento no Rio Grande do Sul representa marco importante para a prática nacional. A capacidade de mobilizar especialistas de diferentes áreas evidencia que estruturas hospitalares brasileiras podem conduzir terapias de alta complexidade, evitando a transferência de pacientes para serviços no exterior e ampliando o acesso a tratamentos inovadores.
Com a recuperação fetal até agora favorável e a continuidade do pré-natal, o hospital segue monitorando o fluxo sanguíneo e o crescimento cardíaco. A cada avaliação positiva, reforça-se a aposta na intervenção intrauterina como ferramenta capaz de oferecer ao bebê um início de vida menos vulnerável a complicações cardíacas severas.

Conteúdo Relacionado