China conclui primeiros testes estáticos do ZQ-3, foguete pesado reutilizável que mira reduzir custos em até 90%

Entre 18 e 20 de outubro, a China encerrou a etapa inicial de ensaios de solo do ZQ-3, seu primeiro foguete pesado reutilizável, no Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, no noroeste do país. As atividades compreenderam uma campanha de abastecimento em escala real e o disparo estático do motor principal, marco que libera a próxima fase de qualificação para voo, agendada para novembro ou dezembro.
- Quem está por trás do projeto
- Dimensões e arquitetura do ZQ-3
- Cronologia dos primeiros testes em Jiuquan
- Próximos passos rumo ao voo de qualificação
- Estratégia econômica: reduzir custos e ganhar mercado
- Impacto na agenda espacial chinesa
- Desafios até a entrada em serviço
- Perspectivas para a próxima década
Quem está por trás do projeto
O ZQ-3 é desenvolvido pela Landscape, companhia privada que segue a tendência de veículos concebidos para múltiplos usos. A empresa adota como referência soluções que se popularizaram com a SpaceX, a começar pela estrutura em aço inoxidável inspirada na Starship e pelas pernas de pouso herdadas conceitualmente do Falcon 9. Ao investir nesse conceito, a Landscape busca inserir o espaço-porto chinês no segmento de lançamentos de baixo custo e alta cadência.
Dimensões e arquitetura do ZQ-3
Com cerca de 66 metros de altura, o ZQ-3 fica poucos metros abaixo dos 70 metros do Falcon 9. O diâmetro do corpo central atinge 4,5 metros, escolha que permite acomodar um volume expressivo de propelente sem tornar a estrutura excessivamente pesada. Seguem as principais características divulgadas:
Altura: 66 m
Diâmetro do núcleo: 4,5 m
Propulsão: oxigênio líquido (LOX) e metano líquido (LCH4)
Configuração: dois estágios, ambos com decolagem vertical; o estágio principal retorna e pousa também na vertical.
O sistema de combustíveis criogênicos LOX-metano é apontado por diversos fabricantes como solução de maior eficiência energética e menor emissão de fuligem em comparação ao querosene-LOX convencional. A adoção dessa mistura se alinha à busca por motores mais limpos, simplificação de reabastecimento em futuras bases lunares e aumento da vida útil dos componentes.
Cronologia dos primeiros testes em Jiuquan
A campanha conduzida em outubro dividiu-se em duas frentes complementares:
1. Ensaio de propelente em grande escala
Nesta fase, tanques e linhas de alimentação foram preenchidos na capacidade nominal para verificar pressurização, temperatura, estanqueidade e comportamento estrutural sob cargas criogênicas. O objetivo foi certificar que válvulas, sensores e sistemas de segurança respondem dentro das tolerâncias projetadas.
2. Disparo estático
Concluída a checagem de abastecimento, o motor principal foi acionado por período controlado enquanto o veículo permanecia ancorado à plataforma. Esse teste validou empuxo, estabilidade de combustão e sincronia dos sistemas de controle. O sucesso do disparo estático confirma que o conjunto mecânico e eletrônico suporta as vibrações e as pressões esperadas durante a ascensão real.
Ao final dos três dias de ensaios, engenheiros classificaram a operação como conclusiva, abrindo caminho para o chamado Flight Readiness Firing — disparo final de certificação — e, na sequência, para o voo inaugural.
Próximos passos rumo ao voo de qualificação
Segundo o cronograma divulgado, a Landscape pretende realizar a primeira decolagem de teste entre novembro e dezembro. Esse lançamento deve seguir o perfil nominal de subida, separação e retorno do primeiro estágio, embora ainda não envolva carga útil comercial. A tentativa de pouso está programada para o ano que vem; até lá, a equipe concentrará esforços em:
Ajustes pós-voo: a análise dos dados obtidos no teste em campo permitirá refinar parâmetros de orientação, relação de mistura combustível-oxidante e sequenciamento de queima.
Incremento de infraestrutura: a base de Jiuquan passará por adaptações para receber unidades recuperadas, incluindo zona de pouso e instalações de inspeção rápida.
Certificação para operação rotineira: somente após validar ciclos repetidos de lançamento e recuperação o ZQ-3 poderá receber satélites comerciais.
Estratégia econômica: reduzir custos e ganhar mercado
A reutilização promete cortar até 90% dos gastos por missão, número que a SpaceX transformou em referência mundial. Ao replicar esse modelo, a Landscape espera atrair clientes que hoje recorrem majoritariamente a provedores norte-americanos. Atualmente, os Estados Unidos respondem por cerca de 60% do mercado global de lançamentos, ao passo que a China detém 25%. Esse desequilíbrio motiva iniciativas como o ZQ-3, que pretende ampliar a oferta de voos chineses e, consequentemente, a participação do país no setor.
O conceito de uso recorrente também favorece a cadência. Menos tempo na linha de produção significa mais janelas de lançamento, aspecto crítico para constelações de satélites que exigem colocação coordenada em órbita baixa.
Impacto na agenda espacial chinesa
O ZQ-3 integra uma estratégia nacional mais ampla que mira objetivos de longo alcance. Pequim já anunciou a intenção de pousar astronautas na Lua até 2030, meta que demanda transporte confiável de cargas e tripulações. Ao acumular experiência com descidas autônomas, a Landscape contribuirá para aprimorar algoritmos de pouso em superfície, ativos valiosos para missões lunares e até marcianas.
Além das ambições de exploração, o país demonstra preocupação crescente com a sustentabilidade do ambiente orbital. Um alto funcionário do governo confirmou planos de remover detritos que circulam em torno da Terra, resposta a estimativas que apontam mais de 130 milhões de fragmentos superiores a um milímetro vagando no espaço. Tais resíduos oferecem risco a satélites operacionais, tripulações e futuras infraestruturas comerciais. Embora o projeto de limpeza orbital ainda careça de cronogramas detalhados, ele reforça o compromisso chinês em manter o acesso seguro ao espaço.
Desafios até a entrada em serviço
Apesar do progresso, o ZQ-3 não possui data definida para operações comerciais. Os principais desafios incluem:
Confiabilidade do retorno: pousar um estágio de 66 metros exige controle preciso de propulsão retroativa e capacidade de guiar a estrutura em alta atmosfera. Pequenas variações de densidade do ar ou de fluxo de combustível podem comprometer a precisão.
Requalificação rápida: para que a redução de custos se materialize, o veículo deve ser inspecionado, abastecido e relançado em intervalos curtos. Isso impõe padrões rigorosos de design modular e manutenção simplificada.
Escalonamento industrial: produzir vários exemplares sem perder qualidade requer cadeia de suprimentos amadurecida e gestão de materiais criogênicos complexos.
Perspectivas para a próxima década
Com a aproximação do primeiro voo, o desempenho do ZQ-3 será observado por operadoras de satélites, instituições governamentais e investidores. Caso alcance as metas de custo e frequência, o veículo poderá alterar o panorama competitivo, estimular inovação em outras empresas chinesas e intensificar a rivalidade tecnológica com grupos norte-americanos.
Na prática, cada lançamento bem-sucedido fornecerá dados que retroalimentam aperfeiçoamentos, acelerando a curva de aprendizagem industrial. Esse processo tende a fortalecer a capacidade nacional de desenvolver motores mais eficientes, sistemas de navegação avançados e protocolos de controle de missão integrados.
Embora desafios técnicos permaneçam, a conclusão dos testes de outubro em Jiuquan marca um divisor de águas para a Landscape e para o programa espacial chinês. Se os próximos ensaios em voo confirmarem os resultados de solo, a China poderá ingressar no seleto grupo de nações capazes de reutilizar foguetes pesados, abrindo caminho para missões mais ambiciosas e para uma participação ampliada no mercado global de lançamentos.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Conteúdo Relacionado