Canetas de Ozempic e Mounjaro afetam a eficácia do anticoncepcional? Entenda o que dizem bulas e entidades médicas

O crescimento rápido do uso de canetas de Ozempic e Mounjaro para controle de peso e tratamento do diabetes tipo 2 levantou uma dúvida frequente entre mulheres: os agonistas de GLP-1 podem reduzir a eficácia das pílulas anticoncepcionais? O tema ganhou relevância à medida que dados públicos do Google Trends, analisados em estudo acadêmico indexado no PubMed, indicam aumento expressivo no interesse por esses medicamentos nos últimos anos.

Escalada no interesse por canetas de Ozempic e Mounjaro

Ozempic, Wegovy e Mounjaro são canetas injetáveis prescritas para o manejo da glicemia em pessoas com diabetes tipo 2. O alcance dessas marcas ampliou-se além do diabetes após diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecerem o papel dos agonistas de GLP-1 no auxílio à perda de peso e no tratamento da obesidade. De acordo com o estudo baseado em métricas do Google Trends, a procura por informações sobre esses fármacos avança ano após ano, reflexo direto do interesse popular e da disseminação nas redes sociais.

Esse cenário coloca as mulheres em idade fértil no centro das discussões, pois muitas buscam as canetas para emagrecimento e, simultaneamente, utilizam anticoncepcionais orais. A preocupação principal é se o uso concomitante pode comprometer a prevenção da gravidez.

Como funcionam os agonistas de GLP-1 no organismo

Os três medicamentos pertencem à classe dos agonistas do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1). Essa categoria terapeuticamente relevante promove:

• Controle da glicose: estimula a liberação de insulina em resposta ao alimento, reduzindo picos de açúcar no sangue.
• Saciedade prolongada: aumenta a sensação de plenitude, contribuindo para menor ingestão calórica.
• Retardo do esvaziamento gástrico: desacelera a passagem do alimento do estômago ao intestino.

É justamente o retardamento do esvaziamento gástrico que alimenta a hipótese de interação. Como as pílulas anticoncepcionais dependem da absorção intestinal, a velocidade com que deixam o estômago pode influenciar a quantidade de hormônio efetivamente disponível na corrente sanguínea.

Potencial impacto das canetas de Ozempic e Mounjaro na absorção de anticoncepcionais

Os efeitos mecânicos sobre o sistema digestivo são similares entre as canetas, mas as evidências sobre interação divergem. Para analisar o risco, é necessário observar separadamente a semaglutida, princípio ativo de Ozempic e Wegovy, e a tirzepatida, componente do Mounjaro.

No caso da semaglutida, um estudo publicado no Journal of Clinical Pharmacology comparou a absorção de anticoncepcionais orais combinados em usuárias do medicamento. O trabalho não identificou redução clinicamente relevante nos níveis hormonais, apontando ausência de impacto significativo sobre a eficácia contraceptiva.

Esse resultado aparece corroborado pela bula do Ozempic aprovada tanto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto pela Food and Drug Administration (FDA). Nenhum dos documentos traz advertência específica relacionada à interação com anticoncepcionais orais.

Para a tirzepatida o cenário difere: as bulas brasileiras e norte-americanas sinalizam que o medicamento pode diminuir temporariamente a absorção de hormônios contraceptivos por via oral, sobretudo no início do tratamento e logo após cada aumento de dose. A recomendação oficial é utilizar método adicional ou não oral por quatro semanas nesses períodos críticos.

Evidências clínicas: semaglutida versus tirzepatida

Semaglutida (Ozempic e Wegovy)
• Estudo clínico não observou redução relevante na absorção de etinilestradiol e levonorgestrel, hormônios presentes em anticoncepcionais combinados.
• Bulas aprovadas pela FDA e pela Anvisa não indicam necessidade de método contraceptivo extra.

Tirzepatida (Mounjaro)
• Orientação em bula: possibilidade de queda transitória na disponibilidade dos hormônios devido ao retardo do esvaziamento gástrico.
• Recomendação: adicionar contraceptivo de barreira ou método não oral por quatro semanas após o início da terapia e após cada ajuste de dose.

A diferença de comportamento entre as moléculas ilustra que, embora pertençam à mesma classe terapêutica, a interação medicamento-medicamento deve ser avaliada individualmente.

Recomendações da Febrasgo para usuárias de anticoncepcionais e canetas de Ozempic e Mounjaro

Para orientar a prática clínica, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) emitiu diretrizes específicas:

• Uso concomitante de semaglutida: a entidade considera seguro manter o anticoncepcional oral, desde que exista acompanhamento médico contínuo.
• Uso concomitante de tirzepatida: a Febrasgo aconselha evitar a dependência exclusiva de pílulas orais. A mulher deve substituir o método ou associá-lo a barreira física (preservativo, por exemplo) por pelo menos quatro semanas após iniciar o Mounjaro ou sempre que houver aumento de dose.
• Métodos de longa duração: dispositivos intrauterinos (DIU) e implantes subdérmicos são classificados como altamente eficazes porque não dependem do trato gastrointestinal e se mantêm imunes ao retardo do esvaziamento gástrico.

Próximos passos para pacientes e profissionais de saúde

A bula da tirzepatida, assim como o parecer da Febrasgo, estabelece um período de quatro semanas como janela crítica após cada ajuste de dose. Nesse intervalo, a orientação é recorrer a método adicional ou não oral para assegurar proteção contraceptiva. No caso da semaglutida, não há restrição formal, mas o acompanhamento médico é recomendado para monitorar individualmente a resposta ao tratamento.

Diante do uso cada vez mais frequente das canetas de Ozempic e Mounjaro, a observância às bulas e às recomendações das entidades médicas continua sendo a referência central para prevenir falhas contraceptivas.