O Ministério da Saúde brasileiro iniciou uma articulação com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular para uniformizar as ações de combate ao tracoma, infeção que continua a ameaçar comunidades indígenas e populações vulneráveis em várias regiões do país.
Parceria foca na padronização e na recolha de dados
A iniciativa prevê a definição de protocolos cirúrgicos e de acompanhamento pós-operatório, a capacitação de profissionais e a criação de uma rede de referência para doentes em zonas de difícil acesso. A falta de informação precisa sobre a prevalência da doença é apontada como um dos principais entraves ao seu controlo, motivo pelo qual o plano inclui um levantamento atualizado de casos e a validação, junto da Organização Mundial da Saúde (OMS), da eventual eliminação do tracoma como problema de saúde pública no Brasil.
Segundo o Ministério da Saúde, o tracoma é hoje a principal causa de cegueira infecciosa no mundo e afeta cerca de 1,9 milhão de pessoas no país, das quais 450 mil já apresentam perda visual irreversível. A triquíase tracomatosa, consequência crónica da infeção, continua a exigir intervenções cirúrgicas regulares para evitar danos permanentes na córnea.
Mapeamento de oftalmologistas e rede de referenciação
Filipe Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular, sublinhou a necessidade de recomeçar o mapeamento de médicos credenciados no Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é identificar os profissionais disponíveis e direcionar cirurgias corretivas para as regiões mais afetadas. Pereira recorda que, apesar de diagnósticos anteriores sugerirem a erradicação da doença, investigações recentes demonstram a permanência de focos ativos, sobretudo em aldeias indígenas.
Para Maria de Fátima Costa Lopes, responsável técnica da Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, a integração entre o governo e as entidades médicas permitirá estender ações de prevenção, diagnóstico e tratamento a territórios de difícil cobertura. A responsável confirma registos de triquíase tracomatosa em várias comunidades indígenas e assinala a urgência de intervenções padronizadas.
A presidente do CBO, Vilma Lelis, defende a criação de uma rede nacional de referenciação para encaminhar casos graves a especialistas treinados. Esta rede deverá facilitar deslocações de equipas a áreas remotas e acelerar a recolha de dados epidemiológicos, considerados fundamentais para a definição de estratégias de erradicação.
Entre as medidas previstas contam-se sessões de formação para oftalmologistas sobre técnicas cirúrgicas e critérios de encaminhamento, bem como a disponibilização de equipamentos adequados nos centros de saúde locais. As entidades planeiam ainda implementar um sistema de monitorização contínua, que permita avaliar a eficácia das intervenções e ajustar procedimentos sempre que necessário.
O Ministério da Saúde pretende apresentar, à OMS, evidência científica suficiente para obter o reconhecimento da eliminação do tracoma como ameaça de saúde pública. Para tal, o país terá de demonstrar queda sustentada na incidência de novos casos e disponibilidade permanente de serviços de tratamento, incluindo cirurgia para triquíase.
Embora o cronograma oficial ainda não tenha sido divulgado, as instituições envolvidas afirmam que a fase inicial de mapeamento deverá arrancar nos próximos meses, começando pelas regiões Norte e Nordeste, onde a doença é mais prevalente. Posteriormente, serão definidas prioridades de intervenção conforme a distribuição dos casos identificados.
Com a articulação agora anunciada, o governo brasileiro pretende reduzir o impacto do tracoma e das suas sequelas na qualidade de vida de milhares de cidadãos, alinhando-se às metas globais de erradicação de doenças negligenciadas definidas pela OMS.