Bourbon do Kentucky enfrenta queda nas vendas e ameaça de mais falências
Depois de mais de uma década de forte crescimento, a indústria de bourbon no Kentucky atravessa um período de retração que já provocou despedimentos, fechos de unidades de produção e um aumento nos processos de insolvência. Dados recentes da consultora IWSR mostram que o ritmo de expansão das vendas, que chegou a 7 % ao ano entre 2011 e 2020, abranda agora para cerca de 2 %.
Do auge pós-recessão ao abrandamento atual
O renascimento do bourbon começou após a recessão de 2008. Preços competitivos, a abertura de um mercado de garrafas vintage em 2013 e a popularidade de séries televisivas com estética retro impulsionaram o consumo, sobretudo entre clientes mais jovens. O resultado foi um boom: as 86 destilarias do estado armazenam hoje mais de 10 milhões de barris em envelhecimento.
Contudo, vários fatores convergiram para travar este movimento. As medidas de confinamento durante a pandemia reduziram drasticamente as vendas em bares e restaurantes, segmentos essenciais para bebidas premium. Em paralelo, a inflação levou consumidores a optarem por alternativas mais baratas ou a reduzirem o consumo de álcool. Entre os mais novos, estudos citados pela IWSR indicam que a geração Z consome menos bebidas alcoólicas do que faixas etárias precedentes.
Tarifas e retaliações comerciais complicam o cenário
As tensões comerciais internacionais acrescentaram pressão. As tarifas anunciadas na era Trump sobre bens europeus motivaram contramedidas que incluem impostos sobre o bourbon do Kentucky e vinhos da Califórnia. A União Europeia adiou a aplicação das taxas por seis meses, mas a incerteza já afeta encomendas no exterior.
No Canadá, principal destino de cerca de 10 % do whisky norte-americano, várias províncias suspenderam por completo a importação de bebidas dos Estados Unidos. Para Lawson Whiting, presidente executivo da Brown-Forman — empresa que detém Jack Daniel’s, Woodford Reserve e Old Forester — esta decisão “retira o produto das prateleiras” e equivale a “um impacto pior do que uma tarifa”.
Consequências financeiras e encerramentos
Os resultados das principais marcas ilustram a tendência negativa. A Diageo revelou uma descida anual de 7,3 % nas vendas da Bulleit Bourbon, enquanto a Campari reportou uma quebra de 8,1 % na procura por Wild Turkey nos últimos seis meses. Para grupos globais, o recuo pode ser absorvido com maior facilidade; já para produtores de menor dimensão, o impacto é crítico.
Em julho, a LMD Holdings requereu proteção judicial apenas um mês depois de inaugurar a destilaria Luca Mariano, em Danville. No mesmo trimestre, a Garrard County Distilling passou para gestão de um administrador judicial, e a Brown-Forman procedeu ao encerramento de uma fábrica de tonéis no estado.
Excesso de oferta agrava pressões
O sucesso passado leva hoje a um problema de excedente. Como o bourbon necessita de envelhecer durante anos, as empresas aumentaram a produção com base em previsões otimistas feitas antes da pandemia. O resultado é uma disponibilidade superior à procura atual, fenómeno que força descidas de preços e afeta margens já diminuídas pela inflação e pelos custos logísticos.
Perspetivas de consolidação
A combinação de vendas em queda, custos adicionais e sobrecapacidade faz antever mais falências e fusões. Marten Lodewijks, presidente da IWSR nos Estados Unidos, admite “ficar surpreendido” caso não surjam novos processos de insolvência ou consolidação no curto prazo.
Alguns analistas recordam o precedente da indústria de scotch whisky, que transformou um período de baixa procura nos anos 80 num catalisador para a criação de segmentos premium. Será possível que o bourbon siga caminho semelhante, mas esse percurso depende, primeiro, da resolução das disputas comerciais e da normalização dos padrões de consumo.
Oportunidades noutros mercados
As restrições ao produto americano incentivam concorrentes externos. No Canadá, destilarias locais utilizam técnicas inspiradas no bourbon para desenvolver whiskies com perfil semelhante, aproveitando a abundância de cereais e a ausência de tarifas internas. De acordo com responsáveis do sector, a situação “abriu espaço” para inovação na América do Norte fora dos Estados Unidos.
Até que pressões macroeconómicas e políticas se atenuem, os produtores do Kentucky terão de gerir inventários elevados e custos acrescidos, tentando preservar a imagem de um dos símbolos mais reconhecidos da cultura norte-americana.

Imagem: bbc.com