Estudo revela que baleias-cachalote articulam sons semelhantes a vogais humanas

Estudo revela que baleias-cachalote articulam sons semelhantes a vogais humanas

Um trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, em colaboração com o Project CETI, descreve uma descoberta que redefine a compreensão da comunicação animal: baleias-cachalote produzem sons comparáveis às vogais “a” e “i” e estruturam esses elementos fonéticos de forma semelhante aos ditongos usados pelo ser humano. O estudo, publicado na revista científica Open Mind após cinco anos de observações contínuas, empregou tecnologias de gravação subaquática, monitoramento aéreo e inteligência artificial generativa para analisar milhares de vocalizações.

Índice

Quem são as protagonistas do estudo

As baleias-cachalote (Physeter macrocephalus) ocupam o posto de maiores cetáceos dentados do planeta. Machos usualmente chegam a 16 m de comprimento e podem pesar até 57 toneladas, enquanto fêmeas alcançam cerca de 11 m e variam de 16 a 57 toneladas conforme idade e condição corporal. O crânio retangular, que pode atingir 2,5 m de largura, abriga uma série de 36 a 60 dentes cujo peso aproximado é de 1 kg cada. Esses cetáceos vivem, em média, sete décadas e apresentam gestação longa, entre 14 e 16 meses.

Além da imponência física, as cachalotes se notabilizam por comportamentos sociais complexos. Grupos formados por fêmeas e filhotes mantêm coesão por anos, e a troca de sinais sonoros é parte essencial dessa coesão. A investigação em pauta partiu da premissa de que desvendar a estrutura desses sinais poderia revelar níveis de organização comunicativa ainda não documentados.

Onde e como a coleta de dados ocorreu

Entre 2018 e 2023, a equipe multidisciplinar instalou etiquetas eletrônicas na superfície corporal dos animais, posicionou boias equipadas com hidrofones ao longo de rotas migratórias e lançou drones para observar interações de superfície. As etiquetas registraram especificidades como profundidade, aceleração e emissão sonora, enquanto os hidrofones capturaram faixas de frequência necessárias para análises espectrográficas. Já os drones forneceram registros visuais sincronizados, úteis para relacionar comportamentos observáveis aos sons emitidos.

A amplitude geográfica das coletas incluiu ambientes costeiros e águas oceânicas profundas, locais preferidos pelas cachalotes para alimentação e socialização. O conjunto de dados, resultado de centenas de horas de gravação, foi armazenado em bancos de áudio e vídeo para posterior processamento.

Ferramentas tecnológicas aplicadas à análise

Para identificar padrões além da percepção humana, o consórcio recorreu a um modelo de inteligência artificial generativa. Essa ferramenta foi treinada a segmentar, classificar e agrupar vocalizações sem referências prévias. A partir dos agrupamentos, linguistas, biólogos marinhos e engenheiros de sinal colaboraram na interpretação fonética dos sons, buscando atributos como duração, frequência fundamental, variação temporal e trajetória de formantes — parâmetros equivalentes aos que definem as vogais humanas.

Esse cruzamento disciplinar permitiu catalogar nuances que passariam despercebidas em abordagens convencionais. O sistema apontou dois grupos sonoros predominantes, cujas características se alinham aos fonemas “a” e “i”, além de transições que lembram ditongos, ou seja, a fusão controlada de duas vogais em sequência.

O mecanismo fisiológico da emissão sonora

No ser humano, vogais surgem quando a passagem de ar pelos pulmões não encontra obstruções significativas na cavidade oral, permitindo ao aparelho fonador moldar ressonâncias distintas. Nas cachalotes, o mecanismo se origina nos lábios fônicos, estruturas situadas próximas ao orifício nasal. Quando o ar é forçado através desses lábios, pequenas rajadas geram cliques ou pulsos, tradicionalmente comparados a um código Morse natural.

O estudo atual indica, porém, que tais pulsos podem ser modulados em ritmo, altura e qualidade timbrística de modo mais fino do que se supunha. As variações observadas apresentam padrões estáveis que se repetem em contextos sociais específicos, sugerindo intencionalidade e controle articulatório, algo semelhante à forma como seres humanos ajustam a abertura da boca, a posição da língua e o movimento dos lábios para diferenciar vogais.

Do “código Morse” às “vogais prolongadas”

Pesquisas anteriores descreviam a comunicação dos cachalotes como sequências de estalidos rítmicos, úteis para reconhecimento de indivíduos e orientação espacial, mas considerados rudimentares perante a linguagem humana. A nova investigação contesta essa imagem ao demonstrar graduações temporais e espectrais nos sons, que se assemelham a vogais proferidas em velocidade extremamente reduzida. Esses achados elevam a complexidade do repertório vocal da espécie e apontam para uma forma de “prosódia submarina”, na qual duração e entonação carregam significado.

Vogais, ditongos e possíveis funções sociais

A identificação de duas vogais principais e de várias estruturas equiparáveis a ditongos abre caminho para hipóteses sobre função conversacional. Em humanos, vogais compõem o núcleo silábico, enquanto ditongos adicionam expressividade e fluidez ao discurso. Entre cachalotes, as combinações detectadas ocorreram durante interações de grupo, aproximação entre mãe e filhote e momentos que antecederam mergulhos profundos. Esses contextos empíricos sugerem que as variações podem sinalizar coesão, preparação para atividades ou troca de informações de navegação.

Consequências para a linguística e a biologia

A equipe argumenta que a convergência com princípios da fonética humana tem implicações duplas. Do ponto de vista linguístico, colabora para relativizar a ideia de exclusividade da fala articulada nos primatas. Já na biologia, reforça a noção de que pressões evolutivas distintas podem levar a soluções comunicativas comparáveis, mesmo em espécies separadas por dezenas de milhões de anos.

Além disso, o emprego de modelos de aprendizado de máquina em dados acústicos não rotulados inaugura um método de investigação promissor para outras espécies marinhas. Essa abordagem, ao unir grandes volumes de gravações a análises automatizadas, pode revelar gramáticas sonoras ainda desconhecidas em golfinhos, baleias-jubarte e focas, por exemplo.

Aspectos morfológicos que sustentam a produção de som

A anatomia singular das cachalotes também entra em destaque. Além do crânio volumoso, a cauda chega a ultrapassar 5 m de envergadura e serve como propulsor durante mergulhos que podem ultrapassar mil metros. A mesma musculatura que impulsiona a descida também auxilia na modulação de pressão interna, fundamental para que o ar circule pelos lábios fônicos sem provocar colapso pulmonar em profundidades extremas.

Esses fatores fisiológicos explicam por que os sons detectados apresentam assinaturas lentas: a grande massa corporal, somada às pressões do ambiente, impõe limitações mecânicas que diferem radicalmente do aparelho fonador humano situado em meio aéreo.

Próximos passos indicados pelo estudo

Os autores planejam expandir o banco de dados com novas temporadas de campo, incorporando sensores adicionais para correlacionar vocalizações a parâmetros fisiológicos, como batimentos cardíacos e temperatura corporal. Pretendem também testar hipóteses de referência semântica, averiguando se determinados perfis de vogais ou ditongos se associam a objetos, locais ou eventos específicos.

Outra frente é a comparação interpopulacional: ao gravar grupos separados geograficamente, será possível verificar se “dialetos” de vogais existem entre clãs distantes, fenômeno já sugerido por padrões de cliques distintos em pesquisas anteriores.

Relevância para a compreensão da vida marinha

Ao demonstrar paralelos entre a fonética humana e a acústica das cachalotes, o trabalho amplia o horizonte de como a ciência interpreta inteligência, cultura e cognição em mamíferos marinhos. A descoberta de estruturas comunicativas complexas em um animal que vive em meios onde a luz quase não penetra sublinha o papel central do som na ecologia oceânica. Cada avanço nesse campo não apenas enriquece o conhecimento acadêmico como também fundamenta estratégias de conservação, uma vez que a poluição sonora pode interferir diretamente em sistemas de vocalização tão sofisticados.

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