Ataque israelita mata repórteres da Al Jazeera junto ao maior hospital de Gaza

Um ataque aéreo israelita atingiu no domingo a entrada do complexo hospitalar Al-Shifa, na Cidade de Gaza, provocando a morte de pelo menos oito pessoas, entre as quais os correspondentes da Al Jazeera Anas al-Sharif, de 28 anos, e Mohamed Qreiqeh, de 33. A informação foi confirmada pela direção administrativa do hospital e pelo exército israelita.

O que se sabe sobre o ataque

De acordo com Rami Mohanna, diretor administrativo do Al-Shifa, o míssil caiu na zona exterior de emergência, onde vários civis e profissionais de comunicação social procuravam abrigo. Além dos dois repórteres, morreram outros quatro jornalistas e duas pessoas que acompanhavam doentes.

Num comunicado posterior, as Forças de Defesa de Israel afirmaram que al-Sharif liderava uma «célula do Hamas», alegação rejeitada pela Al Jazeera e anteriormente contestada pelo próprio repórter. Esta foi a primeira vez, desde o início do conflito, que o exército israelita assumiu de imediato a autoria de um bombardeamento que resultou na morte de jornalistas.

Reações e acusações cruzadas

A cadeia de televisão do Qatar classificou o incidente como «assassinato dirigido» e acusou as autoridades israelitas de fomentarem um clima de incitamento contra os seus profissionais. A Al Jazeera sublinhou ainda que os dois repórteres integravam «um dos últimos grupos de jornalistas presentes na Faixa de Gaza», responsáveis por relatar «a realidade no terreno».

No terreno, Ahed Ferwana, do Sindicato dos Jornalistas Palestinianos, declarou que os repórteres «estão a ser deliberadamente visados» e apelou à intervenção da comunidade internacional. A organização Committee to Protect Journalists (CPJ) considerou «alarmante» a rapidez com que Israel rotulou as vítimas de militantes sem apresentar provas concretas.

Contexto: conflito mais mortal para a imprensa

Segundo o CPJ, pelo menos 186 profissionais de comunicação social já perderam a vida durante esta guerra, número que torna o conflito «o mais letal para jornalistas na era moderna». A avaliação é corroborada pelo Instituto Watson da Universidade Brown, que classificou o cenário como «o pior de sempre» para quem cobre zonas de guerra.

A Al Jazeera, uma das poucas redações com equipa permanente dentro do enclave, contabiliza várias baixas desde o início das hostilidades: o repórter Ismail al-Ghoul e o cameraman Rami al-Rifi morreram no verão passado; o freelancer Hossam Shabat foi morto em março. Tal como al-Sharif, Shabat figurava numa lista divulgada por Israel em outubro, na qual seis jornalistas eram acusados de pertencer a grupos armados.

Mudança de postura israelita

A rapidez com que o exército reclamou responsabilidade pelo ataque marca um desvio face a incidentes anteriores, em que as autoridades israelitas demoraram dias ou semanas a comentar mortes de repórteres. Analistas de liberdade de imprensa referem que, em julho, um porta-voz militar divulgou um vídeo no qual acusava al-Sharif e outros correspondentes de integrarem o braço armado do Hamas e da Jihad Islâmica.

Para Irene Khan, relatora especial da ONU para a liberdade de expressão, este padrão «procura suprimir a verdade, impedir a documentação de eventuais crimes internacionais e frustrar futuras responsabilidades».

Funerais e testemunhos

Centenas de pessoas, incluindo colegas de profissão, reuniram-se segunda-feira no complexo do Al-Shifa para prestar homenagem às vítimas. Os corpos foram envoltos em mortalhas brancas e exibidos num pátio do hospital antes do enterro. Nas redes sociais, circulou uma mensagem póstuma de al-Sharif, preparada para ser divulgada em caso de morte, onde o jornalista se despedia da esposa e dos dois filhos, lamentando «a devastação» provocada pela guerra.

Ambos os repórteres tinham estado separados das famílias durante meses e conseguiram reencontrar-se apenas durante uma trégua temporária. Imagens dessa ocasião mostraram crianças a hesitarem em reconhecer os pais, detalhe que al-Sharif relatou em direto, emocionado, enquanto documentava a fome no norte do território.

Acesso limitado da imprensa internacional

Desde o início do conflito, a maior parte dos meios estrangeiros não recebeu autorização para entrar na Faixa de Gaza, salvo em visitas pontuais organizadas pelo exército israelita. Este bloqueio faz da Al Jazeera e de algumas agências palestinianas as principais fontes visuais sobre os combates, os bombardeamentos e a crise humanitária.

Em território israelita, a emissora do Qatar está bloqueada, e as suas instalações na Cisjordânia ocupada foram encerradas por militares no ano passado. Apesar das restrições, continua a emitir a partir de estúdios externos e de jornalistas locais.

Com o ataque de domingo, a lista de profissionais da comunicação social mortos no enclave volta a aumentar, aprofundando as preocupações de organizações internacionais sobre a segurança de repórteres em cenários de conflito e o impacto na cobertura independente da guerra.

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