Aquisição da Electronic Arts por fundo saudita de US$ 55 bilhões desperta escrutínio no Congresso dos EUA

A compra integral da Electronic Arts (EA) por um consórcio liderado pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF) trouxe repercussões imediatas em Washington. O negócio, anunciado no mês passado e avaliado em cerca de US$ 55 bilhões, transformou-se no centro de uma disputa política sobre segurança nacional e possíveis interferências estrangeiras no setor de entretenimento digital norte-americano. Dois senadores enviaram cartas formais ao Departamento do Tesouro e à própria editora de jogos pedindo explicações detalhadas e uma revisão regulatória profunda.
- Quem está envolvido na transação
- O que motivou a compra
- Quando e onde o debate ganhou força
- Como surgiu a preocupação legislativa
- Pontos centrais apresentados ao Tesouro
- A presença da Affinity Partners e de Jared Kushner
- Carta paralela ao comando da Electronic Arts
- Resposta inicial da empresa
- Riscos apontados pelos senadores
- Possíveis implicações para o mercado de jogos
- Próximas etapas institucionais
Quem está envolvido na transação
O acordo envolve três atores corporativos principais. O PIF lidera o consórcio e aporta a maior parte do capital. Ao seu lado, aparecem a Silver Lake, gestora de investimentos já atuante em tecnologia, e a Affinity Partners. Esta última foi fundada por Jared Kushner, genro do ex-presidente Donald Trump, e, segundo documentos públicos, recebe financiamento significativo do próprio fundo saudita. Juntos, os três grupos assumirão 100 % das ações da EA, retirando a companhia da bolsa de valores se o plano avançar sem restrições.
O que motivou a compra
Conforme divulgado, a operação tem valor recorde para o setor de videogames. Os participantes destacaram o potencial de expansão global da EA e a perspectiva de retorno sobre franquias consagradas. Para parlamentares norte-americanos, porém, a quantia desembolsada — descrita como acima do preço de mercado — indica que o interesse vai além do aspecto comercial. Eles afirmam que o objetivo saudita pode ser ampliar influência cultural e tecnológica por meio de uma das maiores produtoras de conteúdo interativo do mundo.
Quando e onde o debate ganhou força
A repercussão política ganhou corpo logo após o anúncio público da aquisição. Em 17 de outubro de 2025, os senadores Richard Blumenthal e Elizabeth Warren tornaram pública uma carta endereçada ao Secretário do Tesouro, Scott Bessent. No documento, solicitam que o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS) conduza revisão rigorosa da transação. Para eles, a análise precisa avaliar riscos à segurança nacional, à integridade cultural e aos dados de milhões de jogadores residentes no país.
Como surgiu a preocupação legislativa
Os parlamentares apontam um padrão de investimentos considerados “estratégicos” pelo PIF em áreas como esportes e mídia. Segundo eles, tais aplicações estariam menos focadas em retorno financeiro e mais em moldar a opinião pública global. Na visão dos senadores, a Electronic Arts tornou-se alvo por possuir alcance direto sobre narrativas digitais consumidas por diferentes faixas etárias. A possibilidade de um governo estrangeiro determinar temas, histórias ou políticas de privacidade em jogos vendidos nos Estados Unidos representa, na leitura de Blumenthal e Warren, um potencial risco de propagação de influência política.
Pontos centrais apresentados ao Tesouro
No texto encaminhado ao Secretário Bessent, os senadores elencaram argumentos que fundamentam o pedido de intervenção do CFIUS:
• o pagamento de um prêmio acima do valor de mercado da EA, interpretado como indicativo de motivação política;
• a suposta intenção do PIF de utilizar a desenvolvedora como plataforma de “soft power” cultural;
• a relação financeira direta entre o fundo saudita e a Affinity Partners, vista como possível canal para facilitar a aprovação governamental;
• históricos de censura e perseguição a críticos por parte das autoridades sauditas, considerados incompatíveis com os princípios de liberdade de expressão dos Estados Unidos.
A presença da Affinity Partners e de Jared Kushner
A inclusão da Affinity Partners no consórcio aumentou o escrutínio político. Para Blumenthal e Warren, a presença da gestora fundada por Kushner poderia criar conflito de interesses e repetir padrões de relacionamento entre negócios externos e círculos de poder em Washington. Os senadores argumentam que o aporte de capital saudita na Affinity reforça dúvidas sobre favorecimento político e eventual monetização de influência conquistada durante o governo anterior.
Carta paralela ao comando da Electronic Arts
No mesmo dia, Blumenthal e Warren enviaram nova correspondência, desta vez ao CEO da EA, Andrew Wilson. O objetivo foi obter garantias de que a companhia permanecerá editorialmente independente e operacionalmente autônoma se o negócio avançar. O documento apresentou cinco questões centrais que requerem resposta pontual da diretoria:
1. Proteção de dados: quais mecanismos impedirão o acesso do PIF ou do governo saudita às informações pessoais de usuários?
2. Exigências governamentais: como a EA reagirá se autoridades sauditas solicitarem dados de jogadores?
3. Uso de inteligência artificial: que salvaguardas impedirão utilização indevida de tecnologias proprietárias?
4. Integridade narrativa: quais garantias existem de que estúdios internos não sofrerão censura temática ou direcionamento de conteúdo?
5. Registro de agentes estrangeiros: algum funcionário precisará registrar-se de acordo com a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros (FARA) após a conclusão do acordo?
Resposta inicial da empresa
A Electronic Arts comunicou que o conselho de administração aprovou a proposta de venda e prevê concluir o processo até junho de 2026, caso todos os requisitos regulatórios sejam atendidos. A direção acrescentou que Andrew Wilson seguirá no comando executivo e que a sede permanecerá na Califórnia. No posicionamento, a editora reforçou o compromisso de continuar desenvolvendo experiências de entretenimento consideradas inovadoras.
Riscos apontados pelos senadores
Além da possível transferência de dados, Blumenthal e Warren veem ameaça à transparência operacional. Eles temem que a privatização total retire da esfera pública informações financeiras e relatórios periódicos hoje exigidos de empresas listadas, dificultando a fiscalização de mudanças editoriais. O histórico saudita em matéria de censura é citado como precedente que poderia se repetir, com alterações de enredos ou supressão de temas considerados sensíveis pelo novo controlador.
Possíveis implicações para o mercado de jogos
Dentro do setor, a operação é observada por seu volume financeiro e pela abrangência do catálogo da EA. Franquias esportivas, títulos de tiro e séries de mundo aberto formam parte relevante da cultura pop contemporânea. Assim, qualquer modificação de políticas internas pode repercutir em milhões de consoles, computadores e dispositivos móveis. O debate legislativo sugere que, além de entretenimento, os jogos são vistos como veículos de narrativa capazes de influenciar valores sociais.
Próximas etapas institucionais
Com o envio das cartas, o CFIUS deve decidir se iniciará investigação formal sobre a aquisição. Caso ocorra, o processo envolve coleta de informações, análise de riscos e eventual imposição de condições, como restrições de acesso a dados ou veto a determinadas decisões estratégicas. Paralelamente, a Electronic Arts precisará responder aos cinco pontos destacados pelos senadores, contribuindo para esclarecer como pretende preservar a independência criativa e a segurança das informações.
Até que as instâncias regulatórias concluam suas avaliações, o acordo permanece em estágio preliminar, sujeito a possíveis ajustes contratuais ou limitações impostas pelas autoridades norte-americanas.
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