Análise de DNA revela ascendência africana em sepulturas anglo-saxónicas de há 1.300 anos
Uma investigação genética identificou traços de ascendência da África Subsaariana em dois indivíduos enterrados no sul de Inglaterra no século VII. O estudo, conduzido por uma equipa internacional liderada pelo arqueólogo Duncan Sayer, demonstrou que ambos teriam tido um avô ou avó de origem africana, revelando uma mobilidade populacional mais ampla do que se supunha para a Alta Idade Média britânica.
Descobertas em Kent e Dorset
Os esqueletos analisados provêm de dois cemitérios distantes cerca de 250 quilómetros. O primeiro, designado Túmulo 47, pertence a uma adolescente sepultada em Updown, Kent. O segundo corresponde a um jovem encontrado em Worth Matravers, Dorset. Escavações anteriores nesses locais apontavam para comunidades maioritariamente ligadas ao norte da Europa, mas os novos dados genéticos introduzem um cenário diferente.
Datações por carbono situam as sepulturas entre meados do século VI e o início do século VII, período posterior à retirada romana da Grã-Bretanha e marcado pela instalação de grupos anglo-saxões. Ambos os corpos apresentavam práticas funerárias comuns na região: a jovem foi depositada com objectos pessoais – faca, colher, pente de osso e um vaso de cerâmica de origem continental – enquanto o rapaz ocupava uma sepultura dupla, partilhada com um homem mais velho sem relação genética confirmada.
Marcadores genéticos apontam à África Ocidental
As amostras recolhidas permitiram sequenciar DNA mitocondrial e autossómico. O ADN mitocondrial, herdado pela linha materna, indicou afinidades típicas do norte da Europa, coerentes com a população local. Já o ADN autossómico revelou entre 20 % e 40 % de componentes associados a grupos contemporâneos Yoruba, Mende, Mandenka e Esan, situados na África Ocidental.
Modelos estatísticos sugerem que essa herança terá chegado a Inglaterra uma ou duas gerações antes dos enterramentos, possivelmente por migração de indivíduos africanos ou por integração de descendentes já nascidos fora do continente. A equipa sublinha que o resultado é consistente com ligações comerciais registadas entre o Mediterrâneo, o norte de África e a Europa setentrional após as campanhas bizantinas no século VI.
Integração social na comunidade anglo-saxónica
Apesar da proveniência geográfica incomum dos antepassados, ambos os indivíduos foram sepultados com rituais idênticos aos dos restantes membros da comunidade. A adolescente de Updown partilhava laços biológicos com outros enterrados no mesmo cemitério, indicando integração familiar. Já o rapaz de Worth Matravers recebeu uma sepultura elaborada, alinhada com a posição social habitual para homens jovens no condado de Dorset.
Segundo os autores, essa inserção contrasta com narrativas que descrevem sociedades medievais britânicas como homogéneas e isoladas. A presença de ADN africano reforça a ideia de redes de contacto de longa distância, impulsionadas por rotas marítimas e pelo comércio de luxo no pós-Império Romano.
Novas perspetivas para a história populacional britânica
Os dados agora divulgados acrescentam evidências a casos anteriormente conhecidos, como o da “Ivory Bangle Lady” de York, datada do século IV. Contudo, o estudo realça que não existe continuidade direta entre indivíduos africanos do período romano e os sepultados no século VII, implicando eventos migratórios distintos.
A equipa defende que análises genéticas de maior escala poderão clarificar a frequência desta ascendência na Inglaterra medieval e identificar vias concretas de migração. Enquanto isso, as conclusões demonstram que a diversidade cultural da ilha era mais ampla do que os registos escritos sugerem, oferecendo uma visão renovada sobre a composição das comunidades anglo-saxónicas.

Imagem: Sayer et al. Antiquity Publications Ltd via olhardigital.com.br