Um estudo conduzido na Universidade de Bradford, no Reino Unido, indica que um cadáver fotografado num necrotério clandestino em Tripoli, Líbia, apresenta grande probabilidade de pertencer a Musa al-Sadr, líder religioso libanês desaparecido em 1978.
Investigação recorre a inteligência artificial
A equipa de investigação da BBC entregou a imagem digitalizada do corpo ao professor Hassan Ugail, especialista em reconhecimento facial. O académico aplicou o algoritmo Deep Face Recognition, desenvolvido ao longo de duas décadas, comparando a fotografia obtida em 2011 com quatro imagens de Sadr em diferentes fases da vida.
O sistema atribuiu à correspondência um valor situado na casa dos 60 pontos, intervalo que, segundo o método, indica “alta probabilidade” de se tratar da mesma pessoa ou de um familiar próximo. Para reforçar o resultado, Ugail repetiu o teste com fotografias de seis familiares do imã e com cem retratos de homens do Médio Oriente sem ligação conhecida. Nenhum destes últimos alcançou pontuação comparável.
Cadáver alto e com lesão craniana
A fotografia em causa foi captada pelo jornalista libanês-sueco Kassem Hamadé, que visitou o necrotério durante a revolta líbia de 2011. Entre 17 corpos conservados em frio, apenas um apresentava altura invulgar — Sadr media cerca de 1,98 m. O rosto mostrava sinais de decomposição, mas mantinha traços compatíveis com o clérigo. O crânio exibia ainda danos compatíveis com impacto violento ou disparo.
Hamadé retirou folículos capilares do cadáver para eventual análise de ADN, mas a amostra entregue a representantes do partido Amal, fundado por Sadr, perdeu-se, segundo justificativa apresentada posteriormente.
Detenção da equipa na Líbia
Em março de 2023, repórteres da BBC regressaram a Tripoli para localizar o necrotério. No segundo dia, após filmarem o exterior do edifício identificado por Hamadé, foram detidos por agentes dos serviços de informação líbios. O grupo ficou seis dias em regime de isolamento, sob acusação de espionagem, antes de ser libertado e deportado, na sequência de pressão diplomática britânica.
Desaparecimento com repercussão regional
Musa al-Sadr, figura central do movimento xiita libanês, desapareceu a 31 de agosto de 1978, após viajar a convite de Muammar Kadhafi. As autoridades líbias da época alegaram que o imã partira para Roma, versão desmentida por investigações subsequentes. O episódio alimentou teorias que variam entre execução sumária e detenção prolongada.
Analistas indicam vários possíveis motivos para um eventual homicídio. Sadr procurava na altura convencer Kadhafi a moderar o apoio a grupos palestinianos ativos no sul do Líbano, zona habitada maioritariamente por xiitas. Há também a hipótese de pressão de facções iranianas radicais, receosas de que o imã influenciasse a Revolução Iraniana em curso para uma linha mais moderada.
Controvérsia persiste 45 anos depois
O partido Amal e o presidente do parlamento libanês, Nabih Berri, mantêm a posição de que não existe prova definitiva da morte de Sadr e defendem que o líder, hoje com 97 anos se vivo, continua detido numa prisão líbia. O juiz Hassan al-Shami, membro da comissão oficial libanesa que investiga o caso, confirma que a amostra de cabelo obtida em 2011 desapareceu devido a um “erro técnico”.
Confrontados com os resultados da análise de reconhecimento facial, representantes de Amal rejeitaram a conclusão, argumentando que a imagem não corresponde ao imã e que informações recolhidas após 2011 indicariam a sua sobrevivência. Até ao momento não foi apresentado qualquer elemento que sustente essa versão.
Próximos passos dependem de confirmação genética
Especialistas sublinham que um teste de ADN continua a ser a forma mais fiável de encerrar a controvérsia. Para tal seria necessário recolher novamente amostras do cadáver ou identificar parentes diretos dispostos a cooperar. Sem acesso ao corpo nem às amostras perdidas, as autoridades libanesas mantêm a investigação em aberto.
Enquanto isso, a imagem analisada pela equipa de Bradford permanece como a evidência técnica mais robusta em décadas de incerteza. O resultado, embora não conclusivo, reforça a tese de que Musa al-Sadr terá sido assassinado pouco depois de chegar à Líbia, deixando um vazio político e religioso que continua a marcar o Médio Oriente.