Uso abusivo de cannabis triplica risco de cancro bucal, revela investigação da UCSD

Investigadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) analisaram a relação entre dependência de cannabis e cancro bucal e concluíram que o risco de desenvolvimento da doença é três vezes superior entre utilizadores com transtorno de uso de cannabis em comparação com pessoas sem esse diagnóstico.

Metodologia e amostra

A equipa liderada por Raphael Cuomo, professor associado do Departamento de Anestesiologia da UCSD, avaliou registos clínicos de 45 000 adultos acompanhados em seis centros médicos universitários durante cerca de cinco anos. Foram seleccionados participantes que apresentavam histórico de problemas relacionados com drogas, mas sem diagnóstico prévio de cancro.

Para identificar os factores de risco, os investigadores consideraram variáveis demográficas (idade e género), índice de massa corporal e histórico de tabagismo. Os casos de dependência de cannabis foram definidos segundo os critérios dos manuais de diagnóstico DSM-5 e CID-10, que classificam o transtorno de uso de cannabis como condição clínica distinta.

Resultados principais

Entre os mais de 45 000 indivíduos, 2,1 % (cerca de mil pessoas) foram classificados como dependentes de cannabis. Neste grupo, a incidência acumulada de cancro bucal — abrangendo lábio, língua e cavidade oral — foi de 0,74 %, contra 0,23 % observados nos restantes participantes. Os dados indicam, portanto, um risco aproximadamente três vezes superior quando existe dependência da substância.

O estudo também investigou a influência do tabaco. Nos casos em que a dependência de cannabis foi acompanhada de consumo regular de tabaco, a probabilidade de desenvolver cancro bucal aumentou mais de seis vezes face aos utilizadores dependentes que não fumavam cigarros convencionais.

Mecanismos apontados pelos investigadores

Os autores sublinham que a fumaça da cannabis contém muitos dos compostos carcinogénicos presentes na fumaça do tabaco. Estas substâncias causam danos conhecidos ao tecido epitelial que reveste a boca, criando condições favoráveis para o aparecimento de tumores. A investigação acrescenta-se a um conjunto crescente de evidências que associam o uso crónico de produtos fumados à formação de células malignas em tecidos diretamente expostos.

Contexto do consumo de cannabis

Relatórios recentes de saúde pública sugerem que a utilização de cannabis se expandiu em várias regiões do mundo. Embora a planta seja consumida de múltiplas formas, o estudo da UCSD centrou-se exclusivamente na via inalada, considerada a mais comum entre dependentes químicos.

Raphael Cuomo lembra que a dependência não se confunde com uso ocasional. Segundo o investigador, os resultados dizem respeito a utilizadores que mantêm consumo frequente e problemático, condição que acarreta maior exposição aos produtos de combustão.

Implicações para a prática clínica e prevenção

Os autores recomendam que profissionais de saúde avaliem o historial de consumo de cannabis em consultas de rotina, sobretudo quando há queixas relacionadas com a cavidade oral. A identificação precoce de comportamentos de risco pode facilitar encaminhamentos para programas de cessação e exames preventivos.

Além disso, o trabalho reforça a necessidade de campanhas de sensibilização que informem sobre os potenciais perigos do fumo de cannabis, equiparando-os aos riscos já amplamente divulgados do tabaco.

Limitações do estudo

Embora o volume da amostra e o período de acompanhamento confiram robustez aos resultados, os investigadores reconhecem limitações inerentes aos registos clínicos, como a impossibilidade de quantificar exatamente a quantidade fumada ou a potência da planta consumida. Novos estudos poderão aprofundar esses parâmetros e considerar outras formas de ingestão de cannabis.

Mesmo com estas restrições, a análise da UCSD fornece indícios sólidos de que a dependência de cannabis, sobretudo quando combinada com tabaco, aumenta de forma significativa o risco de cancro bucal.

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Imagem: olhardigital.com.br

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