Processo seco e sazonal domina formação das estrias em Marte, indica estudo com 18 anos de imagens orbitais

Processo seco e sazonal domina formação das estrias em Marte, indica estudo com 18 anos de imagens orbitais

As faixas escuras que periodicamente riscam encostas de Marte são, em sua maior parte, resultado de deslocamentos de poeira, vento e areia, e não de escoamento de água líquida. Essa conclusão parte de um estudo divulgado na revista Nature Communications, elaborado por uma equipe internacional sob coordenação do cientista planetário Valentin Tertius Bickel, da Universidade de Berna, na Suíça. O grupo examinou registros orbitais obtidos ao longo de 18 anos e mapeou a distribuição global das chamadas linhas de declive recorrentes, fenômeno que há mais de uma década intriga pesquisadores.

Índice

O que são as linhas de declive recorrentes

As linhas de declive recorrentes, ou RSL na sigla em inglês, são marcas lineares que surgem em costas íngremes, avançam ladeira abaixo por alguns metros ou dezenas de metros e desaparecem meses depois. O ciclo acompanha as estações marcianas: as linhas se tornam visíveis em períodos mais quentes e se atenuam quando as temperaturas caem. A sazonalidade levou, no passado, à hipótese de que as estrias pudessem refletir fluxos rasos de água salgada, capaz de permanecer líquida mesmo sob pressão atmosférica baixa. A nova investigação, porém, reforça outro cenário, no qual forças físicas secas moldam a superfície sem a participação dominante de água contemporânea.

Quem conduziu a análise e quais dados foram usados

O levantamento foi liderado por Valentin Tertius Bickel, pesquisador de pós-doutorado especializado em processos de superfície de corpos planetários. Além da Universidade de Berna, participaram cientistas vinculados a instituições que operam duas sondas atualmente em órbita do Planeta Vermelho. O estudo utilizou:

• Mars Reconnaissance Orbiter (MRO): satélite da NASA lançado em 2005, ativo desde 2006. O trabalho reuniu praticamente todo o acervo de imagens de alta resolução captado entre 2006 e 2024.

• ExoMars Trace Gas Orbiter (TGO): nave da Agência Espacial Europeia que circula Marte desde 2016. Em dezembro de 2023, sua câmera CaSSIS registrou uma avalanche de poeira no vulcão Apollinaris Mons, evento decisivo para a interpretação atual.

Como a equipe examinou quase duas décadas de observações

Para lidar com o volume massivo de informações, Bickel e colegas aplicaram técnicas de aprendizado de máquina. Em vez de apenas contar quantas vezes as estrias apareceram, o algoritmo identificou padrões espaciais e temporais, destacando regiões com maior recorrência. A abordagem permitiu construir um censo global das RSL, algo inédito em abrangência temporal e cobertura geográfica. O método também correlacionou a distribuição das linhas com possíveis gatilhos como impactos de meteoroides ou pequenos abalos sísmicos, presentes em algumas áreas mas raros em escala planetária.

Resultados principais e peso dos diversos processos

O cruzamento de dados apontou três fatores dominantes:

Poeira – camadas superficiais finas são regularmente deslocadas pelas encostas, revelando material mais escuro logo abaixo. Esse deslizamento cria o contraste que torna as faixas visíveis.

Vento – correntes atmosféricas levantam e redistribuem partículas, alimentando a instabilidade das encostas e facilitando a repetição sazonal do fenômeno.

Areia – granulações maiores deslizam em resposta a vibrações ou à gravidade, definindo a extensão linear das marcas.

Conforme a equipe calculou, impactos de meteoritos e tremores internos servem como gatilhos localizados, mas explicam apenas uma fração dos registros. Globalmente, a dinâmica eólica e granular responde pela maior parte do comportamento periódico observado.

O papel ilustrativo da avalanche em Apollinaris Mons

No final de 2023, a câmera CaSSIS flagrou uma nuvem de poeira descendo o flanco do vulcão Apollinaris Mons logo após o solstício de inverno no hemisfério norte marciano. O acontecimento formou novas linhas de declive idênticas às documentadas pelo MRO em anos anteriores. O registro forneceu prova direta de que deslizamentos secos, acionados sem a intervenção de água líquida, reproduzem fielmente o aspecto das RSL.

Consequências para o debate sobre água líquida atual

A existência de água em estado líquido na superfície de Marte é uma das questões centrais da exploração planetária. As linhas de declive foram, por anos, um dos argumentos de que fluxos salinos poderiam ocorrer sob condições específicas de temperatura e exposição solar. Ao demonstrar que a maior parte das estrias pode ser explicada por processos secos, o novo estudo reduz a necessidade de invocar água moderna para justificar a morfologia observada. Isso não exclui totalmente a presença de gelo subterrâneo ou vestígios de um passado mais úmido, mas altera o peso relativo das explicações.

Implicações para a busca de ambientes habitáveis passados

Mesmo com a conclusão de que a água não é o agente dominante atual, o mapeamento das RSL continua valioso. As áreas onde o fenômeno ocorre fornecem pistas sobre regiões sujeitas a instabilidade do solo, circulação de partículas e variação de temperatura, fatores que também influenciam a preservação de minerais hidratados e possíveis bioassinaturas. Entender quando a água desapareceu da superfície, para onde migrou e quão profundamente está armazenada permanece crucial para determinar se Marte já sustentou vida.

Reflexos no planejamento de missões robóticas e tripuladas

Atualmente, nove missões operadas por cinco agências investigam Marte com objetivos diversos, desde sondar a atmosfera até coletar amostras para retorno à Terra. A identificação de encostas sensíveis a deslizamentos de poeira e vento forte orienta o desenho de rotas seguras para rovers, locais de pouso para sondas futuras e, mais adiante, para módulos tripulados. Equipamentos deverão suportar partículas finas em suspensão e variações bruscas de declive, reduzindo riscos para astronautas.

Além disso, compreender a distribuição sazonal de poeira contribui para estratégias de geração de energia solar, já que a deposição de partículas nos painéis é um dos principais desafios de longo prazo. Ao ajustar cronogramas de operações às épocas de maior estabilidade, as missões podem otimizar a produção elétrica e minimizar períodos de hibernação forçada.

Convergência de observações de longo prazo e eventos pontuais

O trabalho liderado por Bickel destaca a importância de combinar monitoramento contínuo com registros de eventos episódicos. A série histórica do MRO ofereceu a visão panorâmica, enquanto o flagrante da avalanche pelo TGO forneceu a peça que faltava para ligar causa e efeito. Essa sinergia é considerada fundamental para decifrar processos que, embora sutis, moldam o planeta ao longo de décadas.

O que ainda pode ser investigado

A própria equipe reconhece que novos dados podem revelar exceções. Há, por exemplo, vales onde a ocorrência de RSL coincide com depósitos de sais hidratados, possibilidade que continuará a ser avaliada em detalhes. Instrumentos capazes de medir variações térmicas de solo ou rastrear minerais específicos ajudarão a separar definitivamente casos gerados apenas por poeira de eventuais fluxos brinados residuais.

Com mais sondas previstas para entrar em órbita na próxima década e a perspectiva de missões humanas a partir dos anos 2030, a acumulação de observações em alta resolução tende a refinar ainda mais o modelo estabelecido agora. Quanto mais rigorosa for a caracterização dos processos secos, mais claramente emergirão cenários que, de fato, exijam a presença de água líquida.

Perspectiva de um Marte dinâmico e em mutação

O estudo consolida a visão de que, embora o planeta seja frio e árido, Marte não é estático. Encostas deslizam, dunas migram, avalanches varrem depósitos recentes e a atmosfera, rarefeita, segue capaz de transportar partículas finas por centenas de quilômetros. Reconhecer essa dinâmica é essencial para interpretar vestígios do passado e planejar atividades futuras. As linhas de declive recorrentes, agora atribuídas majoritariamente a mecanismos secos, tornam-se mais um indicador da vitalidade geológica e atmosférica que continua a moldar o Planeta Vermelho.

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