Sistemas de “deathbots” prometem conversar com falecidos, mas estudo expõe limites emocionais da inteligência artificial

Conversar com pessoas que já se foram sempre pertenceu ao domínio da imaginação. Com o avanço da inteligência artificial, porém, essa fronteira começou a se mover. Aplicações conhecidas como deathbots surgiram com a proposta de transformar vestígios digitais – áudios, vídeos, e-mails ou publicações em redes sociais – em avatares capazes de dialogar de modo semelhante ao indivíduo falecido. Um estudo divulgado na revista Memory, Mind & Media investigou a experiência de usar esses sistemas e concluiu que o resultado tende a ser mais estranho do que reconfortante.
- Quem está por trás dos experimentos
- O que são os deathbots e como eles funcionam
- Como o estudo avaliou a experiência de conversa
- Fatores que comprometeram a naturalidade
- Modelos de negócio por trás das memórias digitalizadas
- Questões éticas e emocionais levantadas
- Limites evidenciados pela pesquisa
- Por que as respostas soam artificiais
- Como a tecnologia pode evoluir
Quem está por trás dos experimentos
A pesquisa foi conduzida por especialistas ligadas ao projeto Passados Sintéticos. As autoras criaram versões digitais de si mesmas para analisar se seria possível manter uma conversa natural com esses “eus” artificiais. A escolha de testar o recurso com os próprios dados permitiu verificar, em primeira pessoa, as reações aos diálogos gerados pela tecnologia.
O que são os deathbots e como eles funcionam
Os deathbots utilizam modelos de linguagem treinados sobre um conjunto específico de informações deixadas pela pessoa que morreu. O processo inicia-se com a coleta de rastros digitais: gravações de voz, fotografias, mensagens de texto, postagens em redes sociais e e-mails compõem a matéria-prima. Em seguida, os dados são indexados por temas – infância, família, trabalho ou conselhos, por exemplo – formando um banco de memória estruturado.
Nesse ambiente, o sistema aplica quatro etapas principais:
1. Preservação de memória – Histórias pessoais são gravadas, organizadas e etiquetadas para consulta futura, como se formassem um arquivo vivo.
2. Interação contínua – Um chatbot utiliza o acervo para responder a perguntas em tempo real, buscando imitar vocabulário, tom e estilo do falecido.
3. Aprimoramento automático – A cada nova conversa, o algoritmo recompila a base de dados e ajusta probabilidades, tentando produzir respostas mais alinhadas ao padrão original.
4. Interface emocional – Algumas plataformas acrescentam voz sintetizada, gestos de avatar ou até microexpressões para reforçar a sensação de presença.
Como o estudo avaliou a experiência de conversa
No experimento relatado, as pesquisadoras alimentaram o sistema com memórias próprias. Inicialmente, as trocas pareciam espontâneas, sugerindo que o avatar era capaz de recuperar detalhes íntimos de maneira fluida. Contudo, conforme mais dados foram adicionados e a personalização avançou, a interação tornou-se perceptivelmente mecânica.
Observou-se o uso repetitivo de emojis e frases motivacionais, independentemente da carga emocional do tema. Palavras de incentivo surgiam mesmo quando o assunto envolvia luto ou saudade, o que evidenciou a dificuldade do algoritmo em interpretar nuances. Em vez de reconfortar, a comunicação passou a soar artificial, reforçando a distância entre cópia digital e indivíduo real.
Fatores que comprometeram a naturalidade
A pesquisa descreveu três pontos críticos:
Ausência de contextualização emocional – O sistema reconhecia termos relacionados à morte, mas retornava respostas padronizadas, sem ajustar tom ou intensidade.
Excesso de otimismo automático – Padrões de linguagem positiva foram aplicados como padrão universal, ignorando a ambivalência presente em lembranças pessoais.
Limite de personalização – Quanto mais específico o conteúdo fornecido, maior a expectativa de precisão. A discrepância entre expectativa e entrega gerou sensação de estranhamento.
Modelos de negócio por trás das memórias digitalizadas
Diferentemente de iniciativas filantrópicas, os deathbots analisados operam como startups comerciais. Pacotes por assinatura, modalidades freemium e acordos com seguradoras ou instituições de saúde formam a base de receita. Esse arranjo indica que reminiscências se transformam em produto. O estudo chama atenção para o fato de que a preservação da memória, nesse contexto, envolve lidar com contratos, planos de manutenção e pagamentos recorrentes.
Questões éticas e emocionais levantadas
Embora o artigo científico não se aprofunde em debates jurídicos, ele aponta questionamentos sobre a adequação das simulações. Se, por um lado, a tecnologia permite conservar relatos que poderiam desaparecer, por outro, cria representações que não abarcam a complexidade humana. A impossibilidade de transmitir contradições, hesitações ou silêncios genuínos expõe uma fronteira entre recordação e reconstrução sintética.
Limites evidenciados pela pesquisa
Ao final da experimentação, as autoras destacaram que a IA consegue preservar histórias, mas falha em reproduzir a profundidade emocional que caracterizava as pessoas retratadas. Em vez de reviver a presença de quem partiu, o deathbot devolve uma aproximação textual ou vocal, insuficiente para substituir a interação humana. A experiência, portanto, revela tanto o potencial de arquivamento quanto os obstáculos de replicar subjetividades.
Por que as respostas soam artificiais
Modelos de linguagem fundamentam suas previsões em estatísticas. Quando instruídos a adotar tons empáticos, eles tendem a aplicar fórmulas genéricas que maximizam a probabilidade de aceitação. A mesma lógica explica o surgimento de emojis ou expressões de positividade em contextos de tristeza: o algoritmo detecta padrões frequentes de aprovação e os repete, sem reconhecer a pertinência caso a caso.
Como a tecnologia pode evoluir
O estudo sugere que melhorias futuras dependerão de avanços na análise de emoção e na representação de ambiguidades. Ainda assim, mesmo com um refinamento técnico, permanecerá a questão sobre se é desejável – ou ético – oferecer uma ilusão de presença. O que se percebe é que, ao tentar recriar falecidos, a IA acaba refletindo mais sobre as preferências, expectativas e limitações de quem está vivo.
Ao sintetizar vozes, gestos e histórias, os deathbots fornecem um espelho parcial do passado. Porém, segundo a investigação publicada, a promessa de conversas genuínas com quem já partiu esbarra em respostas previsíveis, padronizadas e, em última instância, estranhas à experiência humana completa.
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