Aquecimento global ameaça o cempasúchil, flor central do Día de los Muertos no México

- O elo entre vivos e mortos que começa a desvanecer
- Impactos climáticos: secas, enchentes e solo enfraquecido
- Prejuízos econômicos e culturais nas áreas rurais
- Histórias de quem resiste nas plantações
- Variações genéticas e a influência de sementes híbridas
- Banco de sementes: salvaguarda de 20 variedades nativas
- Sustentabilidade e adaptação como caminho possível
- Dimensão simbólica: mais que ornamento, um patrimônio espiritual
- Desafios para o futuro do Día de los Muertos
- Um cenário em transformação permanente
O elo entre vivos e mortos que começa a desvanecer
Durante o Día de los Muertos, comemorado em 2 de novembro, o México se transforma em um mosaico de altares coloridos, velas acesas e pétalas alaranjadas. No centro dessa expressão cultural está o cempasúchil (Tagetes erecta), flor nativa do país que, segundo a crença popular, guia as almas no caminho entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Utilizada em ruas, cemitérios e residências, ela se tornou o símbolo mais reconhecido da data. Embora o brilho intenso ainda domine as celebrações, secas prolongadas, chuvas torrenciais e enchentes relacionadas ao aquecimento global estão reduzindo a disponibilidade da espécie e ameaçando uma tradição que atravessa gerações.
Impactos climáticos: secas, enchentes e solo enfraquecido
Os canais de Xochimilco, no sul da Cidade do México, historicamente exibem extensos campos de cempasúchil. Entretanto, as oscilações climáticas recentes instauraram um cenário de incerteza. A alternância entre longos períodos de estiagem e precipitações intensas causa erosão, compactação do solo e proliferação de pragas que atacam as raízes das plantas. Esses fatores combinados reduzem a produtividade, elevam custos de manutenção e comprometem a qualidade das flores, que exigem coloração vibrante e pétalas intactas para uso ritualístico.
Prejuízos econômicos e culturais nas áreas rurais
Para os produtores, a crise climática se traduz em perdas duplas. Em 2025, dados oficiais apontaram a destruição de 37 mil acres de plantações, resultando em redução de até 50 % da safra. Mesmo com esses números expressivos, a comunidade agrícola persiste. A Cidade do México registrou a produção de 6 milhões de unidades de cempasúchil no período mais recente — o maior volume já catalogado —, mas com margens de lucro menores em comparação com anos anteriores.
O cultivo movimenta cerca de R$ 14 milhões anuais, montante fundamental para a subsistência de milhares de famílias que dependem exclusivamente da flor. Nas comunidades rurais, cada semente plantada representa não apenas renda, mas também continuidade de um legado espiritual. A ameaça climática, portanto, coloca em risco tanto a estabilidade financeira desses produtores quanto um pilar da identidade mexicana.
Histórias de quem resiste nas plantações
Nas margens de Xochimilco, agricultores com longa experiência relatam as dificuldades impostas pelo clima. Lucia Ortíz, 50 anos, cultiva cempasúchil há três décadas em um terreno herdado da família. O último ciclo agrícola obrigou-a a reduzir o uso de fertilizantes, já que as perdas impediram a reposição dos insumos. Situação semelhante enfrenta Carlos Jiménez, 61 anos, que avalia instalar estufas para proteger as plantas de variações extremas de temperatura e umidade. Ao tomar essa decisão, ele busca não apenas salvar a safra, mas preservar parte de sua história, pois associa a flor à memória dos antepassados.
Variações genéticas e a influência de sementes híbridas
O problema climático se agrava com a adoção de sementes híbridas importadas dos Estados Unidos. Popularizadas pela promessa de rendimento elevado, essas variedades apresentam menor diversidade genética e, consequentemente, sensibilidade maior a calor e umidade excessivos. A perda de robustez torna as plantas menos capazes de resistir a pragas e doenças que proliferam em condições instáveis, potencializando os efeitos adversos do aquecimento global.
Banco de sementes: salvaguarda de 20 variedades nativas
No centro de pesquisa Toxinachcal, cientistas do governo armazenam milhares de espécies nativas, incluindo 20 variedades de cempasúchil. O objetivo é isolar características de resistência natural e reintroduzi-las em regiões mais expostas a eventos climáticos extremos. O processo envolve coleta, catalogação e testes de germinação para avaliar a adaptabilidade das sementes. Ao revitalizar linhagens tradicionais, pesquisadores pretendem diminuir a dependência de híbridos e fortalecer a resiliência das plantações.
Sustentabilidade e adaptação como caminho possível
Enquanto a pesquisa avança, agricultores adotam estratégias de curto prazo. Alguns ajustam calendários de plantio para coincidir com períodos menos imprevisíveis de precipitação, outros incrementam drenagem no solo para atenuar alagamentos. A implantação de estufas, estudada por produtores como Jiménez, pode garantir temperatura controlada e reduzir exposição a chuvas intensas. No entanto, essas estruturas exigem investimento inicial elevado, nem sempre acessível a pequenos proprietários.
Dimensão simbólica: mais que ornamento, um patrimônio espiritual
O cempasúchil, também conhecido como cravo-de-defunto-asteca ou cravo-de-defunto-mexicano, transcende seu papel ornamental. As pétalas são utilizadas para traçar trilhas luminosas em casas e cemitérios, simbolizando o caminho percorrido pelas almas. A flor integra altares que mesclam elementos indígenas e católicos, reforçando a noção de continuidade entre mundos. O eventual desaparecimento da espécie implicaria não só a perda de renda para produtores, mas também o enfraquecimento de uma base cultural que conecta milhões de mexicanos a seus antepassados.
Desafios para o futuro do Día de los Muertos
A manutenção dos atuais níveis de produção revela a tenacidade de agricultores e autoridades locais, mas os indicadores climáticos apontam tendência de agravamento. Secas prolongadas devem ocorrer com maior frequência, ao passo que eventos de chuva extrema geram alagamentos mais severos, segundo relatórios governamentais. Nesse contexto, a velocidade com que as variedades nativas resistentes são reintroduzidas e a capacidade dos produtores de adotar novas técnicas serão determinantes para a sobrevivência do cempasúchil.
Um cenário em transformação permanente
O aquecimento global impõe desafios concretos a uma prática que define parte da identidade do México. Entre esforços científicos para resgatar sementes, adaptações em campo e a persistente fé dos produtores, o destino do cempasúchil permanece em aberto. A cada flor colhida, agricultores reafirmam não apenas uma tradição lucrativa, mas uma herança espiritual que resiste, mesmo diante de condições climáticas cada vez mais extremas.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Conteúdo Relacionado