Tesla revisa promessa de hardware autônomo e relatórios apontam piora na segurança do Autopilot

Uma alteração recente na comunicação institucional da Tesla rompe uma das declarações mais repetidas pela companhia desde 2016: a de que todos os carros produzidos seriam, por construção, capazes de condução totalmente autônoma. A empresa agora afirma que os veículos são “projetados” para a autonomia, mas já não garante que cada modelo carregue todo o conjunto de hardware necessário. A mudança ocorre em meio a ações judiciais que contestam a efetividade do hardware de terceira geração (HW3), críticas de consumidores que pagaram até US$ 15 mil pelo pacote Full Self-Driving (FSD) e números de segurança que sugerem desempenho inferior do Autopilot.
- O que mudou no posicionamento oficial
- Contexto histórico da promessa de hardware
- Da geração HW3 ao desenvolvimento do HW4
- Repercussões para consumidores e ações judiciais
- Limitações técnicas apontadas por especialistas
- Impacto financeiro do FSD para os proprietários
- Números de segurança divulgados pela Tesla
- Críticas à metodologia dos relatórios de acidentes
- Por que a comunicação atual é diferente
- Consequências para o ecossistema Tesla
O que mudou no posicionamento oficial
Até o início de 2024, materiais promocionais, site corporativo e apresentações a investidores insistiam na ideia de que todas as unidades saídas da linha de montagem traziam, de fábrica, o hardware completo para condução autônoma plena. Essa promessa foi gradualmente removida. Nos textos atuais, a companhia limita-se a declarar que os carros são desenhados para operar autonomamente “em algum momento”, sem confirmar se o conjunto presente em cada veículo suportará futuras versões do software.
A revisão discursiva permite à montadora ganhar margem jurídica para não assumir custos de atualizações físicas em veículos fora de garantia. Na prática, consumidores de modelos mais antigos podem precisar de trocas de processador, câmeras ou outros sensores para participar de avanços no FSD, e a empresa não se compromete mais a fornecer esses itens sem cobrança adicional.
Contexto histórico da promessa de hardware
O compromisso público de equipar todos os carros com capacidade autônoma remonta a outubro de 2016, quando a Tesla introduziu a segunda geração de hardware, chamada HW2. À época, o software ainda não estava pronto, mas a companhia garantiu que o conjunto de sensores e processadores seria suficiente para atualizar os veículos à medida que as funcionalidades fossem liberadas.
Dois anos depois surgiu o HW3, descrito como um salto significativo de capacidade computacional. De acordo com o discurso oficial, os proprietários que adquirissem o pacote FSD receberiam essa nova placa sem custos extras. Contudo, nem todos os clientes fizeram o upgrade e, conforme se acumulam evidências de limitação de processamento, cresce a percepção de que o HW3 deixou de acompanhar a evolução algorítmica necessária para a condução autônoma.
Da geração HW3 ao desenvolvimento do HW4
Engenheiros da Tesla trabalham agora no HW4, versão que promete sensores de maior resolução, câmeras adicionais e um processador consideravelmente mais veloz. A própria existência dessa quarta geração reforça a ideia de que o HW3 não atenderá aos requisitos finais do tão almejado FSD “nível 4 ou 5”. Especialistas em veículos elétricos, citados pelo portal Electrek, sustentam que o volume de dados processados pelos sistemas de visão computacional exige potência superior à oferecida pelas placas distribuídas entre 2019 e 2022.
Apesar de a empresa não divulgar especificações completas, a tendência indicada é que apenas novos modelos ou unidades atualizadas com HW4 possam usufruir das futuras iterações de software com maior autonomia. Para compradores que confiaram na promessa inicial, a lacuna técnica torna-se motivo de contestação legal.
Repercussões para consumidores e ações judiciais
Três processos coletivos em andamento nos Estados Unidos, na China e na Austrália questionam especificamente a alegação de “hardware completo” e o valor cobrado pelo FSD. Clientes desembolsaram até US$ 15 mil — o equivalente a cerca de R$ 81 mil — para garantir acesso vitalício às funcionalidades avançadas. Segundo as ações, a entrega do produto não correspondeu às declarações de marketing, uma vez que o sistema continua dependente do motorista em diversas situações e, em muitos casos, não pode ser habilitado integralmente por falta de componentes compatíveis.
A alteração recente no site da Tesla, ao suprimir a garantia de hardware, é interpretada por advogados como tentativa de reduzir exposição a indenizações. Sem a promessa explícita, a montadora passa a sustentar que o FSD é um produto de evolução contínua, cujo desempenho poderá variar conforme o veículo e o período de fabricação.
Limitações técnicas apontadas por especialistas
Análises independentes sugerem que o HW3 carece de poder de processamento para manipular em tempo real os algoritmos de rede neural necessários à tomada de decisão autônoma. Isso inclui tarefas como reconhecimento de objetos a longa distância, previsão de trajetória de pedestres e fusão de dados de múltiplas câmeras. A defasagem implica que, mesmo com atualizações de software, alguns modelos não conseguirão executar as rotinas mais avançadas sem hardware novo.
Esse cenário gera frustração entre motoristas que acreditavam possuir um carro “à prova de futuro”. Para parte do público, a promessa de hardware definitivo foi determinante na decisão de compra, sobretudo pelo ritmo acelerado de lançamentos da marca.
Impacto financeiro do FSD para os proprietários
O pacote FSD começou custando menos de US$ 5 mil em 2016, mas múltiplos reajustes levaram o preço ao patamar atual de US$ 15 mil. A quantia foi justificada pela Tesla como investimento antecipado na tecnologia que, quando concluída, permitiria transformar o carro em um robotáxi, gerando receita para o motorista. A demora na entrega desses recursos e a possível necessidade de hardware complementar aumentam o risco de depreciar o valor agregado do FSD.
Números de segurança divulgados pela Tesla
Paralelamente às discussões sobre hardware, o relatório mais recente de segurança do Autopilot, referente ao terceiro trimestre de 2025, apresenta estatísticas que a própria empresa considera positivas, mas que vêm sendo contestadas. Segundo a Tesla, com o Autopilot ativado, foi registrado um acidente a cada 6,36 milhões de milhas percorridas, cerca de 10,23 milhões de quilômetros. Com o recurso desligado, a frequência passou para um acidente a cada aproximadamente 993 mil milhas, ou 1,6 milhão de quilômetros. Como referência, a média nacional dos Estados Unidos, calculada por órgãos de trânsito, é de um acidente a cada 702 mil milhas, equivalente a 1,13 milhão de quilômetros.
Num primeiro olhar, os dados sugerem desempenho superior quando o sistema está ativo. Contudo, os números absolutos carecem de contexto, pois não revelam variáveis como tipo de via, condições climáticas ou gravidade dos incidentes.
Críticas à metodologia dos relatórios de acidentes
Observadores do setor apontam três fragilidades principais nos relatórios da Tesla. Primeiro, colisões menores, que não acionam bolsas de ar ou demandam socorro, não entram na contagem oficial. Segundo, o Autopilot é usado predominantemente em rodovias, ambientes mais previsíveis e com menor índice de acidentes em comparação a vias urbanas. Terceiro, o perfil demográfico dos proprietários — em geral, motoristas com maior renda e acesso a veículos mais novos — tende a apresentar hábitos de direção considerados mais seguros.
Também pesa contra a confiabilidade das estatísticas o fato de a Tesla ter pausado a divulgação por mais de um ano, revisado dados passados sem detalhar os critérios de correção e, ainda assim, apresentar tendência de aumento no número de acidentes por milha a cada novo relatório. Esses fatores alimentam a percepção de que o desempenho do Autopilot pode estar se deteriorando, mesmo com a expansão da base de veículos.
Por que a comunicação atual é diferente
Ao retirar a garantia de hardware completo, a fabricante reduz o risco de ter de arcar com atualizações físicas gratuitas em dezenas de milhares de veículos. A estratégia cria um colchão regulatório: se um proprietário de modelo antigo exigir a substituição de componentes para utilizar versões futuras do FSD, a companhia poderá argumentar que as condições descritas no momento da compra não incluíam esse compromisso. A medida, portanto, posterga custos e dá fôlego até que o HW4 — ou gerações posteriores — esteja amplamente disponível.
Consequências para o ecossistema Tesla
O reposicionamento coloca em xeque a narrativa de avanço contínuo sem comprometer o consumidor final. Investidores, entusiastas e órgãos reguladores acompanham com atenção os desdobramentos judiciais, a evolução do hardware e a consistência dos dados de segurança. Mesmo sem emitir novas garantias, a marca precisa demonstrar que consegue progredir tecnicamente sem impor ônus adicional a quem já desembolsou valores significativos pelo FSD.
Os próximos passos da Tesla, tanto em termos de atualização de hardware quanto de transparência estatística, serão decisivos para manter a confiança dos motoristas e o interesse do mercado em suas ambições de condução totalmente autônoma.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Conteúdo Relacionado