Justiça anula exclusividade da 99Food após ação da Keeta e reaquece disputa no delivery brasileiro

O setor de entrega de refeições no Brasil ganhou um novo capítulo judicial que pode influenciar a forma como plataformas negociam com restaurantes em todo o país. A 3ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão imediata das cláusulas de exclusividade firmadas pela 99Food com cerca de cem grandes redes de alimentação. A medida atende a uma reclamação apresentada pela Keeta, braço da chinesa Meituan, que ainda se prepara para iniciar suas operações nacionais. Embora o processo esteja sujeito a recurso, a decisão já cria efeitos práticos e pressiona as empresas a reavaliar seus modelos de contrato.
- Quem são os protagonistas do conflito
- O que motivou a ação judicial
- Como a Justiça avaliou a prática de exclusividade
- Argumentos apresentados pela 99Food
- Posicionamento e estratégia da Keeta
- Efeitos práticos sobre os restaurantes
- Impacto para o consumidor final e para o mercado
- Próximos passos no âmbito judicial
Quem são os protagonistas do conflito
De um lado está a 99Food, vertente de delivery da 99, companhia que nasceu no Brasil como aplicativo de transporte individual e posteriormente passou a integrar o grupo chinês Didi. A plataforma deixou o mercado de entrega de refeições há alguns anos, mas retomou atividades em Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro. Do outro lado surge a Keeta, marca controlada pela chinesa Meituan, que agendou o lançamento oficial de seu aplicativo para 30 de outubro nas cidades paulistas de Santos e São Vicente. Embora ainda não opere efetivamente, a Keeta pretende entrar em um território já povoado por concorrentes de peso, cenário que motivou a disputa judicial.
O que motivou a ação judicial
A Keeta levou à Justiça alegações de que a 99Food estaria utilizando contratos de exclusividade para criar barreiras artificiais à entrada de novos participantes no mercado. Segundo a petição inicial, a rival ofereceu pagamentos antecipados que somariam, no mínimo, R$ 900 milhões às cem maiores cadeias de restaurantes do país. Esses montantes estariam vinculados à assinatura de cláusulas que impediriam os estabelecimentos de firmar parcerias com a nova plataforma, mas não restringiriam o relacionamento com o iFood, player dominante no segmento. Para a Keeta, tais pagamentos configuram “cláusulas de banimento”, restringindo a concorrência e ferindo o interesse público.
Como a Justiça avaliou a prática de exclusividade
Ao analisar o pedido, o juiz Fábio Henrique Prado de Toledo considerou que os contratos examinados violam princípios constitucionais e legais da livre concorrência. A decisão suspende imediatamente as cláusulas de exclusividade, determina que novos contratos não contenham a restrição e fixa multa de R$ 100 mil para cada descumprimento observado. Os restaurantes ficam autorizados a manter os valores já recebidos da 99Food, livrando-se da obrigação de devolução. Em contrapartida, a Keeta deve depositar, no prazo de quinze dias, a multa rescisória e quaisquer encargos previstos nos acordos originais para as redes que decidirem também aderir à sua plataforma.
Argumentos apresentados pela 99Food
A 99Food sustenta que os contratos de exclusividade eram limitados a casos considerados estratégicos e tinham como propósito garantir previsibilidade de receita, proteger participação de mercado em localidades específicas e viabilizar investimentos necessários para vencer a inércia de um setor historicamente controlado por um único incumbente. A empresa afirma confiar plenamente na legalidade das cláusulas e anunciou que recorrerá da sentença. Nos bastidores, a companhia avalia que o modelo de pagamentos antecipados reforça a parceria ao oferecer vantagens financeiras a restaurantes que escolhem uma única plataforma, o que, em sua leitura, não implicaria bloqueio absoluto à competição.
Posicionamento e estratégia da Keeta
Para a Keeta, os acordos assinados pela concorrente vão além de um simples incentivo comercial. A empresa classifica os pagamentos como barreiras ilícitas que impedem o ingresso de novos agentes em condições equitativas. Embora ainda esteja em fase pré-operacional, a companhia busca atrair restaurantes interessando-se por maior liberdade de escolha. A exigência judicial de depósito das multas rescisórias sinaliza a disposição da Keeta de assumir custos imediatos para convencer redes que hoje mantêm parceria exclusiva com a 99Food. Em última instância, a estratégia reforça o compromisso da plataforma em operar em um ambiente sem restrições unilaterais.
Efeitos práticos sobre os restaurantes
Os estabelecimentos envolvidos saem da disputa com duas garantias essenciais: a manutenção dos valores recebidos da 99Food e a possibilidade de integrar uma segunda plataforma sem risco financeiro direto. Essa combinação reduz o receio de multas que normalmente inibem a ruptura de contratos exclusivos. Além disso, a perspectiva de maior competição pode favorecer condições comerciais mais vantajosas, seja por repasses de taxas menores, seja por ações de marketing cooperado. A suspensão das cláusulas, portanto, amplia o leque de escolhas e pode fortalecer o poder de negociação dos restaurantes, que passam a contar com mais de uma saída para atingir consumidores.
Impacto para o consumidor final e para o mercado
Ainda que o litígio não trate diretamente de preços ao consumidor, a decisão interfere na dinâmica do setor de delivery. Quando múltiplas plataformas disputam a preferência de restaurantes, há tendência de maior diversidade de cardápios em cada aplicativo, frete mais competitivo e promoções mais frequentes. Ao reconhecer que a exclusividade imporia limitação à livre concorrência, o Judiciário sinaliza que práticas similares poderão ser contestadas no futuro, estimulando as empresas a buscar caminhos alternativos para fidelizar parceiros sem recorrer a bloqueios contratuais.
Próximos passos no âmbito judicial
Como a 99Food já confirmou a intenção de recorrer, o caso será examinado por instâncias superiores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Durante o período recursal, porém, a ordem de suspensão permanece válida, pois o magistrado não concedeu efeito suspensivo automático. Assim, qualquer novo contrato firmado deverá respeitar a proibição de exclusividade ou sujeitar a companhia às multas fixadas. Em paralelo, a fase de recurso permitirá às partes aprofundar argumentos sobre eventual dano concorrencial e analisar os limites entre incentivos de mercado e práticas anticompetitivas.
O desfecho do processo pode balizar futuras estratégias comerciais de todo o setor de entrega de refeições, influenciando não apenas 99Food e Keeta, mas também empresas que já operam há mais tempo. Até que haja decisão definitiva, a atenção de bares, restaurantes e consumidores se volta aos resultados práticos da medida: mais opções de serviço, potencial redução de custos e um cenário competitivo revitalizado no ecossistema de delivery brasileiro.
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